ESALQ: um século de ciências agrícolas em Piracicaba – (I)

O cientista Eurípedes Malavolta, um dos mais consagrados da ciência brasileira, contribuiu com um notável estudo para o MEMORIAL DE PIRACICABA – 2002-2003, divulgado em fascículos pelos jornais Tribuna Piracicabana e Jornal de Piracicaba, de autoria de Cecílio Elias Netto. É um trabalho notável que, além de honrar o autor do Memorial, é documento fundamental para a pesquisa da história científica de Piracicaba, o que justifica a sua divulgação, em capítulos, por A PROVÍNCIA.

“Estou em Piracicaba desde 1945, ou seja, tenho mais de meio século, primeiro de ESALQ, e depois do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA), da USP, que ajudei a criar com Admar Cervellini e onde trabalho com exclusividade após minha aposentadoria daquela em 1984. A história que eu vou resumir é, pois, parte do meu acompanhamento pessoal do que aconteceu. Vou cometer, certamente, neste relato muito pessoal, erros de omissão e de julgamento que irão desagradar a alguns ou muitos. Mas, como disse Le Corbusier, “ser xingado aos 70 anos, eis a glória.” Guardadas as devidas proporções, é claro. Devem ser registrados vários trabalhos que historiaram as contribuições piracicabanas, ou melhor, da ESALQ e, antes ainda, da Escola Agrícola que a visão de Luiz Vicente de Souza Queiroz fundeou há mais de um século (1901): Academia de Ciências do Estado de São Paulo (1978-a,b), Malavolta (1986,1987), Marchetti (1987), Packer (1987), Azevedo(1993).

Neste trabalho, não será dada muita atenção ao número de artigos publicados em periódicos nacionais ou estrangeiros e de livros de texto ou referência de autoria do corpo docente da Escola Agrícola. Vou tentar fugir ao axioma de Mário Schembertg: “A Universidade [o U deverá ser mesmo maiúsculo?] usa o instrumento errado para avaliar o mérito – a balança em lugar da peneira.” Usar a peneira consiste em listar ou discutir não o número de publicações mas o de contribuições que geraram algum conhecimento básico relevante ou um conhecimento tecnológico que, aplicado, ajudou a colher “duas espigas de milho ou duas folhas de relva onde só se colhia uma”, como queria Jonathan Swift. Desde já, peço desculpas por alguma omissão ou algum erro de avaliação. Tenho dois atenuantes: pouco tempo, pouco espaço disponível.

1. AS CONTRIBUIÇÕES ESALQUEANAS

1.1 Ciências básicas

“Ora, direis”, porque ciências básicas numa Escola de Agronomia? Lembro o ensinamento de Lord Rutherford, que o grande brasileiro e excepcional divulgador da Ciência, José Reis, repetia freqüentemente: “A tecnologia [aplicação] é o fruto da árvore da Ciência [básica]”. As Ciências básicas, Matemáticas, Física, Química, Biologia, são verdades menos provisórias, ou mentiras menos interinas, como definia José de Mello Moraes, o maior de todos os diretores da Luiz de Queiroz, com a sua habitual irreverência. Contribuem para a formação do profissional de Engenharia Agronômica e Engenharia Florestal enquanto as aplicadas, também indispensáveis, é claro, contribuem mais para a informação daqueles.

Ciências básicas e aplicadas não podem limitar-se à simples transmissão do conhecimento. Escreveu Schlottfeldt(1967) e continua com validade permanente: “Gradualmente, modificaram-se os velhos esquemas da faculdade predominante orientada para fazer a transmissão de conhecimentos [grifo meu]. Mais recentemente, com a década de 1930, começou a nova tendência para um padrão de ensino estruturado com base na função produzir também o conhecimento [grifo meu]. Sem dúvida, a crescente influência de instituições norte-americanas e européias veio contribuir e levar essa tendência em anos mais recentes”.

1.1.1. – Matemática

Frederico Pimentel Gomes, Engenheiro Agrônomo e Esalqueano, começou demonstrando publicamente, na sua Livre Docência e depois, no seu concurso de Cátedra, que sabia matemática, com duas teses originais. Com a cabeça que Deus lhe deu e com uma invulgar dedicação ao estudo, praticamente autodidata, conseguiu inovar e inovar numa ciência pura. Numa das suas teses, introduziu um híbrido fértil de derivadas e integrais que chamou “derigrais”. As suas contribuições maiores para as ciências agrícolas, entretanto, ocorreram no campo de Estatística Experimental: formação da escola brasileira de Estatística aplicada à experimentação agrícola; publicação do clássico “Curso de Estatística Experimental” que já está na 15ª edição e é, certamente, o texto mais usado e citado sobre o assunto, tendo sido já traduzido para o espanhol e publicado na Argentina. Lendvayova & Ramos (1967), ao escrever sobre a Bibliografia Agrícola da América Latina, citam a segunda edição (1968) do livro de Pimentel Gomes. Uma outra contribuição de Pimentel Gomes foi, na década de 60, o início dos trabalhos e ensino de comutação em Piracicaba. Para isso, na qualidade de Diretor, dei minha contribuição, participando da compra do IBM 1130, o melhor computador disponível na época e o terceiro adquirido na USP. Foi necessário para isso “correr o pires” para obter dinheiro de várias fontes: Instituto Brasileiro do Café, CNPq, FAPESP, Fundação Rockefeller e a própria Universidade.

(continua)

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