ESALQ: um século de ciências agrícolas em Piracicaba – (IV)

1.2 – Ciências aplicadas

Há um certo grau de artificialismo na separação entre ciências básicas e aplicadas. O resumo seguinte não se prende à organização das cátedras extintas em 1970 com a reforma da USP, implantada pela autoridade de Miguel Reale que foi chamado e eleito para isso. As cátedras foram substituídas pela estrutura departamental, numa imitação parcial, e não assimilada inteiramente, do sistema da universidade norte-americana . Com razão, os tempos tem-no provado, disse Miguel Reale na última frase de seu discurso de posse: “De nada adianta reformar os estatutos se os espíritos não forem reformados”. O que, de certo modo, Manuel Bandeira havia escrito antes: “Os corpos se comunicam mas os espíritos não”. Vou anotar os feitos nas áreas das ciências aplicadas relacionando-as em ordem alfabética.

1.2.1 Economia e sociologia rural

Durante muito tempo contou apenas dois docentes, Erico da Rocha Nobre, catedrático, e seu assistente, Alcides Guidetti Zagatto. Não tinham muitas condições para a pesquisa, embora pesquisassem, pois ambos foram colocados no R.D.I.D.P. ( Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa) , depois de anos de docência.

Quando assumi a diretoria da Escola, em 1964, como vice-diretor em exercício, visto que o diretor Hugo de Almeida Leme fora chamado pela marechal Humberto de Alencar Castelo Branco a ocupar o Ministério da Agricultura, e , depois, em 1967, eleito e escolhido por Luiz Antonio da Gama e Silva, então magnífico reitor, decidi ajudar essa área do conhecimento. O auxílio se fez particularmente na facilidade de contratar novos docentes nas sub-áreas de Sociologia Rural e Economia Agrícola. Acredito que estava certo ao proceder desse modo. Entretanto, tenho dúvidas sobre se estará certa a expansão desmedida do pessoal docente e de apoio que teve lugar nos últimos 10 ou 15 anos. O que culminou com a criação de um novo curso de Economia Rural Aplicada, contribuição para a pulverização do currículo de Engenharia Agronômica que, num país como o Brasil, tem que ser eclético durante muito tempo ainda.

O que vem em seguida é um resumo preparado pelo Departamento de Economia, Administração e Sociologia, relatando os destaques dos últimos 30 anos. Com isso, nada consta do trabalho de Erico Rocha Nobre, de Zagatto e de José Molina, este pioneiro em Sociologia Rural. Pena.

Permito-me dar destaques à contribuição de Rodolfo Hoffmann , um dos mais brilhantes esalqueanos que conheci. Dele está escrito: “seus trabalhos iniciados na década de 1970 tiveram grande repercussão no Brasil e no exterior, tanto pelas suas contribuições metodológicas como também por evidenciarem a gravidade da desigualdade ( na distribuição da renda) e da pobreza no Brasil , enriquecendo as discussões acadêmicas e políticas sobre temas que hoje preocupam a sociedade brasileira. O Prof. Hoffmann também contribuiu com rara competência na análise da estrutura agrária e de

modernização da agricultura brasileira, gerando uma grande quantidade de trabalhos importantes e de alta qualidade”. Subscrevo e acrescento, para registro, dois depoimentos pessoais: Rodolfo sempre foi homem coerentemente de esquerda. Na revolução de 64, aluno ainda, foi preso e depois libertado. Como diretor da Escola tive que ir a São Paulo e depor a seu favor para que fosse deixado em paz, testemunhando que nada tinha de terrorrista. Outro: a ESALQ teve, durante anos, um convênio com a Ohio State University, Columbus, EUA, financiado pela USAID. Como parte dele, docentes de Piracicaba iam até lá fazer o mestrado e o doutorado. Um deles foi Hoffmann que, para supresa de muitos, inclusive minha, voltou menos de um mês depois. Motivo: não quis ser colocado na correia transportadora em que se começa como aluno e se termina depois de 2 a 4 anos como mestre e doutor. Recusou-se a estudar de novo o que já sabia, aprendida na graduação ou na pós-graduação.

(continua)

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