João Bottene: o criador do motor a álcool para carro e avião (1)

As novas gerações de piracicabanos não sabem que um nosso conterrâneo, João Bottene – um dos fundadores da Mausa, entre outros empreendimentos – foi o homem que construiu as duas primeiras locomotivas inteiramente nacionais e, também, o pioneiro na construção do carro a álcool. Mais ainda: os mais jovens não sabem que João Bottene foi, também, o primeiro a testar o motor a álcool para aviões.

O “Memorial de Piracicaba – Almanaque 2002/03” registra, ainda que resumidamente, a história desse homem, João Bottene, que foi considerado “Gênio da Mecânica”, deslumbrando o Brasil com sua arte e ciência.

 Filho de imigrantes

Tudo começou quando o jovem Pietro Bottene, agricultor italiano, resolveu deixar Camisano, sua cidade natal, emigrando para o Brasil.Cilindro a vapor inventado por João Bottene Era casado com Maria Tereza Cebelle – natural de Piazzola Sul Brenta, Padova. Tinham, então, quatro filhos: América (16), Agostini (14), Caterina (12), Antônio (10), Stefano (6) e Guerino (3). Com 40 anos de idade, Pietro Bottene deixou a Itália e desembarcou, com a família, em Santos, vindo da Argentina, em 12 de maio de 1888. Como que profeticamente, a família Bottene chegava ao Brasil um dia antes da assinatura da Lei Áurea, abolindo a escravatura.

Os Bottene se instalaram inicialmente na Fazenda Costa Pinto, em Piracicaba, onde já acontecia uma notável experiência com a chegada maciça de imigrantes italianos para trabalhar na lavoura. No entanto, tendo experiência, na Itália, como técnico em implementos agrícolas, Pietro Bottene – logo já conhecido como Pedro Bottene – transferiu-se para a cidade, fundando a firma Bottene & Filhos. A pequena fábrica era especializada em construção de arados, charretes, troleys, além de fabricar parafusos, enxadas, com a marca “Estrela”.

Em 1902, no dia 5 de maio, nascia o primeiro filho brasileiro, João. Dois anos depois, amenina Luiza. Para os filhos, Pedro e Maria Zabelle tinham apenas dois objetivos, que seria o sentido da vida deles: estudos e trabalho. Assim, pela manhã, as crianças estudavam e, à tarde, “aprendiam ofício” com o pai, na oficina que se foi tornando conhecida pela qualidade de produtos.

A precocidade de João

Dos filhos de Pietro – todos trabalhadores e competentes – era o menino João quem mais revelava pendores para a Mecânica. Sendo o caçula dos homens, João se tornara mestre mecânico programando todo oBarco em construção pela Oficina Bottene trabalho da oficina, à beira do Itapeva (atual Avenida Armando de Salles Oliveira), ao início da rua 13 de Maio. Benjamin era mestre – caldeireiro; Guerino, escriturário; Antônio, caldeireiro; Estêvão, artesão; Agostinho, técnico das engrenagens que, nas horas de folga, construía relógios grandes para torres de igrejas. Na Igreja do Bom Jesus do Monte, em Piracicaba, Agostinho Bottene instalou o relógio que, a cada hora, acionava os sinos para tocar a Ave Maria. Um outro sino semelhante foi construído para a cidade de Tatuí.

Tal era o talento de João e tão óbvia a sua precocidade, que os próprios irmãos o estimularam a que, ainda nos seus 17 anos, construir um “locomovel”, do qual ele tanto falava. E João o fez, inventando um em escala reduzida para estudos: movido a vapor, acoplado em uma caldeira vertical que era alimentada por gravetos. Iniciava-se a grande caminhada de um “Gênio da Mecânica”.

Mas não era só a Mecânica que atraía o adolescente: a música o apaixonava. Aprendeu teoria musical, a tocar piston, a dominar o bandolim, tornando-se conhecido também pelos chorinhos que costumava tocar com maestria. Com 18 anos, fazia parte da Corporação Musical Carlos Gomes, uma das mais afamadas bandas piracicabanas, conhecida em todo o Estado de São Paulo.

O Porto Fluvial

A Rua do Porto era, no começo do século XX, um ainda movimentado porto fluvial. A navegação a partir do rio Piracicaba fora inauguraBarco Barreiro Rico com a família Botteneda pelo Barão de Rezende e, em 1866, num dos vapores, o “Santo Estevam”, o Imperador D. Pedro II viajara até o Porto do Araguá, tendo como comandante Francisco José Rodrigues. Grandes rebocadores, vapores e barcaças – como os vapores Ta b a t i n g u e r a , Barreiro Rico,Santo Estevam, Bandeirante, Indígena e outros – movimentavam se ao longo do rio, aportavam em Piracicaba, daqui saíam.

Pedro Bottene e os filhos passaram a fazer a manutenção desse barcos, entusiasmando-se com o movimento portuário. De consertos iniciais, passaram a construí-los, transformando o pátio da oficina em uma outra fábrica. Vapores antigos eram reformados e as rodas d´água e caldeiras eram substituídas por motores de combustão interna a gasolina ou querosene, que acionavam as máquinas. Um dos principais vapores fabricados pela Oficina Bottene foi para atender encomenda do fazendeiro e empresário Rodolfo de Lara Campos, o Conde Lara. E uma das grandes forças da oficina estava no prestígio do lendário piloto de barcos, Chico Manduca, amigo de João, que acompanhava as manobras dos barcos reformados ou fabrica dos pelos Bottene. Conhecedor dos mistérios e meandros do rio Piracicaba como ninguém, a aprovação ou reprovação de Chico Manduca era decisiva.

Foi após a aprovação de Chico Manduca que o também agora lendário vapor “Prainha”, reformado, fez a viagem inaugural da rua do Porto para até o Porto João Alfredo, atual Ártemis. Foi uma festa, com a participação de toda a família Bottene e de amigos. Mas com empecilhos que a genialidade de João Bottene soube superar: ao se aproximar da ponte, viu-seque não havia espaço para a altura da chaminé do vapor. João não teve dúvida: cortou a chaminé do “Prainha”, sem prejudicar o funcionamento. E a festa continuou.

Sendo cada vez maior o movimento de barcos na Rua do Porto, os Bottene deram início, então, ao comércio lenheiro e canavieiro para abastecer o Engenho Central, já então pertencente à “Societé de Sucréries Brésiliénnes”.

A essa época, Pedro Bottene comprara um caminhão, movido por motor a vapor, com caldeira e rodas de borracha maciças, para transportar os barcos da Oficina para a Rua do Porto. E, também, para entregas e compras em Rio Claro, Campinas, Limeira, viagens demoradas e longas que exigiam, algumas vezes, se abrissem estradas ou carreadores.

Chegada dos automóveis

Na década de 1920 do século XX, Piracicaba começou a ver a chegada dos automóveis. PBottene e Vitório Zagato: primeiro carroaulo Moraes Barros tinha sido o primeiro proprietário de um veículo daqueles que faziam tanto sucesso. Em seguida, outros foram surgindo. E, com o crescimento da importação de automóveis, surgiam também as dificuldades de manutenção. As peças originais eram quase impossíveis de ser substituídas por outras da mesma origem, dados os problemas de importação. Os problemas aumentavam. E, aos proprietários de veículos, havia quase que uma só porta à qual bater: a de João Bottene.

Foi quando a genialidade do moço expandiu-se. Ele e sua equipe, na oficina da família, faziam peças diversas que substituíam as importadas. Para cada caso, João Bottene tinha uma solução. Os motores dos automóveis falhavam devido a estragos ou envelhecimento de velas de ignição. João Bottene fabricava outras, deixando sua criatividade funcionar. E mais peças: folhas de molas, eixos, parafusos especiais, rodas, peças de carburador, soldas, parte elétrica, magnetos.

O pioneirismo e a genialidade de João Bottene eram tamanhos que ele, pouco antes da Revolução de 1932 – à qual se apresentou como voluntário – possuía um automóvel Ford, ano 1928, o famoso “Ford-29”, que já era movido a álcool como combustível. Mas foi quando tomou conhecimento da expansão das ferrovias no Brasil que João Bottene – com clarividência notável para a época – se deu conta de que novas e grandes oportunidades estavam abrindo-se para a Oficina e para o Brasil. Eram números impressionantes divulgados, em 31 de dezembro de 1926, pela “Signal Oil Company”: o Brasil já contava 59 companhias de estradas de ferro, com uma extensão, em tráfego ferroviário, de 31.332.759 quilômetros. Logo após a Leopoldina e a Central do Brasil, estava a Sorocabana, com 2.902.271 quilômetros.

João Bottene, naqueles números, enxergou o futuro. E ofereceu, à Estrada de Ferro Sorocabana, os serviços de manutenção das Locomotiva saindo da oficina Bottenelocomotivas, que deveriam ser feitos pela Oficina Pedro Bottene & Filhos em Piracicaba. Já famosos por seu trabalho, competência e honestidade, os Bottene foram qualificados para reformar as locomotivas da já poderosa EFS. Para isso, a própria Sorocabana fez um desvio nos trilhos da ferrovia, para que as locomotivas pudessem adentrar a oficina dos Bottene, na rua 13 de Maio.

O sucesso e o reconhecimento haviam chegado. E Piracicaba via seu prestígio de “Pérola dos Paulistas” aumentar. A “Noiva da Colina” vivia grandes momentos. (Continua no Capítulo 2.).

1 comentário

  1. David Cerimarco Júnior em 06/12/2017 às 14:42

    Super interessante, não conhecia esta parte da História.

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