O sonho de Manoel Gomes Tróia (17)

Tempos de glamour

Eudes de Freitas Aquino nasceu em Natal, Rio Grande do Norte, onde se formou em Medicina pela Universidade Federal, em 1975. A juventude acadêmica foi vivida entre as alegrias da boêmia dos potiguares e a efervescência da política universitária. Concluiu o seu mestrado em Nefrologia, em 1979, na Faculdade de Medicina em Ribeirão Preto da USP e se transferiu para Piracicaba no dia 6 de maio de 1982.

– “Vim para um transplante de rim. Fui o primeiro nefrologista da cidade e o primeiro médico a ter um doutorado”, comenta. O doutorado, completou-o também na Faculdade de Ribeirão Preto, em 1985.

Trabalhando na Santa Casa de Misericórdia, quando José Nilton de Oliveira era o diretor-clínico, Eudes Aquino ficou por longo tempo atendendo indigentes e participando da montagem da unidade de terapia intensiva. Por 14 anos, segundo ele, manteve essas atividades, começando a exercer forte liderança junto a alguns médicos, especialmente aqueles que se mostravam descontentes com a longa permanência de Manoel Gomes Tróia na presidência da UNIMED- Piracicaba. Embora na oposição, Eudes admite:

– “Nunca tive oportunidade de, antes da grande crise, conversar com o dr. Tróia. Eu apenas estava entre os que desejavam sangue novo circulando na Cooperativa.”1

Na realidade, a classe médica de Piracicaba já tomara conhecimento de outra qualidade de Eudes de Freitas Aquino, além da profissional: a sua habilidade política, a capacidade de circular entre as partes conflitantes. E isso ficara ainda mais visível quando, após o episódio dos médicos que Manoel Gomes Tróia excluíra da UNIMED, Eudes retornou. Ele, que exercera a plurimilitância em contrário aos estatutos da Cooperativa, aceitou novos entendimentos com Manoel Tróia, influenciado pelos médicos João José Correa e Benito Felipini. Admitiu assinar um novo documento, no qual declarava não mais atender a qualquer outro convênio, passou a ter relações amistosas com Manoel Tróia,retornou aos quadros da Cooperativa.

Durante a administração de Moracy Arruda, Eudes de Freitas passou a dedicar-se ao estudo do cooperativismo, fazendo, naqueles quatro anos, os cursos que lhe pareceram necessários. Assim, quando da sucessão – na assembléia geral de 31 de março de 1992 – a sua candidatura surgiu naturalmente, sem oposição, sendo eleito pelo voto dos 48 presentes, entre os 317 cooperados. A diretoria foi quase que inteiramente renovada. Do Conselho de Administração anterior, ficaram, apenas, Jorge da Silva e Edson Aparecido Angeli. Do Conselho Técnico, foram eleitos para a diretoria Dalton José Balloni e Bernardo Aguiar Jordão; do Conselho Fiscal, José Fernando Fanckin e Paulo Tadeu Falanghe.

Novas mudanças

Em 1992, Eudes Aquino de Freitas assume a UNIMED Piracicaba num Brasil também diferente. Os escândalos envolvendo Fernando Collor de Mello levam a Câmara Federal – com 441 votos dos 503 deputados que compunham o parlamento – a autorizar o”impeachment” do presidente que, não tendo outra saída, renuncia ao mandato no dia 3 de outubro daquele ano. Em seu lugar, assume Itamar Franco, que será responsável por novas mudanças na política econômica do governo brasileiro.

Collor fora eleito com 42,75% dos votos. Seu primeiro grande gesto como presidente da República foi um plano de estabilização econômica, o Plano Collor, que confiscou a poupança e bloqueou 70% dos ativos financeiros em poder do setor privado. Após uma ampla reforma administrativa com extinção de vários órgãos da administração direta e indireta, instituiu um regime de taxas flutuantes de câmbio, adotando o congelamento de preços e prefixação de salários, aluguéis e outros rendimentos. A proposta incluiu, ainda, abertura comercial com redução de tarifas e outras barreiras não tarifárias ao exterior.

Em Piracicaba, encerra-se o mandato do primeiro prefeito do PT, José Machado, elegendo-se, em maré conservadora, como sucessor, o deputado Antônio Carlos Mendes Thame, do então recém criado PSDB. Há perplexidades no município que sentiu os reflexos da crise nacional: a capacidade de investimento da administração municipal está, então, em apenas 8% da receita municipal. Algumas perdas são sentidas pela população: a Viação Piracicabana, da tradicional família Gianetti, foi vendida a uma empresa paulistana, de Constantino de Oliveira; a equipe de basquetebol feminina, das campeãs Paula e Branca, fica sem o apoio do BCN, transferindo-se para a cidade de Campinas; anunciava-se a construção – que se revelara apenas demagógica – de um hospital regional, por iniciativa do governo de São Paulo, na vizinha cidade de Rio das Pedras, contrariando expectativas de Piracicaba.2

Quanto à qualidade de vida, a Piracicaba do início da década de 1990 – que a UNIMED presidida por Eudes de Freitas Aquino iria atender – estava também em crise. O jornal “O Estado de São Paulo”, em dezembro de 1990, revelara que Piracicaba era, entre os municípios de médio porte no Estado, o terceiro em qualidade de vida, apenas superado por Ribeirão Preto e Santos. O índice de mortalidade infantil era de 28,98 crianças até um ano entre cada mil nascidas vivas. Estava em Piracicaba o maior índice de veículos por habitante no interior de São Paulo, 190,4 por mil. Havia 214,82 ligações de água por mil habitantes. Em 1991, o banco de dados da Universidade Metodista de Piracicaba forneciauma radiografia mais detalhada: o município contava 283.833 habitantes; havia um médico para cada grupo de 1.151 habitantes; 3,55 leitos por cada mil habitantes. 3

 

A administração de Eudes de Freitas Aquino sustentou-se num tripé formado por ele e os médicos José Fanckin, vice-presidente, e Dalton Balloni Belmudes, que se tornou superintendente da cooperativa.

O furacão

O início da administração de Eudes de Freitas Aquino assemelha-se à passagem de um furacão, no sentido de movimentar, agitar, mexer com estruturas. Os anos de preparação levam o médico a ter noção exata do que pretendia fazer, ainda que o Brasil continuasse em processo de mudanças. Nos primeiros seis meses do ano de 1992, a nova diretoria procedera a reformas no centro cirúrgico e a pintura do Hospital UNIMED, além da construção de uma unidade de Terapia Intensiva. E, o grande projeto era se construir um novo hospital, em terreno e instalações próprios. Em assembléia geral, com a presença dos 308 cooperados, foi autorizada, no dia 31 de julho de 1992, a compra de um terreno com 14.000 m2, na Av. Antônia Pizzinatto Sturion.

Eudes Aquino foi o presidente que, na verdade, inaugurou os tempos do marketing profissional, compreendendo a necessidade de uma maior eficiência na área de comunicação. Aproveitando-se, assim, das comemorações do “Dia do Médico”, 18 de outubro, foi lançado o “Jornal da UNIMED”, cujo primeiro número, em 1992, tinha, como redator-responsável, o jornalista Nelson Bertolini. O presidente Eudes Aquino alinhavou algumas das realizações do primeiro semestre de administração, delineando perspectivas para o ano 2000:

“(…)implantação de um sistema de Processamento de Dados moderno e ágil. Busca de uma melhor remuneração ao ato cooperativo básico, a consulta, com recursos próprios. Efetivação de convênios de grande amplitude e de repercussões positivas para a nossa imagem comunitária e assistencial. Criação de um departamento comercial e de marketing, atuante e alicerçador de perspectivas sensatas, de crescimento operacional verticalizado. Reformas na estrutura administrativa. Apoio permanente na consolidação e viabilização da Cooperativa Central de Bens, cuja origem é fruto do trabalho e das idéias da Diretoria anterior. Desmembramento da Superintendência Médica e criação do Comitê Educativo.”4

Para Eudes, “isso é Cooperativismo”, como frisou em seu artigo.

Evolução

Entre as primeiras medidas de Eudes Aquino, estava a de ampliar a sede própria e de adquirir novos espaços para uma UNIMED que crescia sob a admiração da comunidade. Havia, então, seis postos de atendimento: o central, na sede da Rua 15 de Novembro; o do Hospital, na rua Fernando Febeliano da Costa; o do Hospital Santa Isabel, junto à Santa Casa de Misericórdia o de Vila Rezende e os de São Pedro e Rio das Pedras.

– “Meu projeto pessoal, na presidência da UNIMED”, diz Eudes Aquino, “era o de melhorar a condição do médico e de transformar a Cooperativa numa entidade viva na cidade.”5

Foi isso que ele entendia quando falou em “glamourizar” a entidade, a imagem dela diante da comunidade. Francisco Toledo é enfático:

– “Não há qualquer dúvida que, após tantas crises, Eudes de Freitas Aquino alavancou a entidade.” 6

E os resultados eram perceptíveis. A imprensa – que, muitas vezes, nos anos anteriores, havia noticiado atritos e problemas – passou a informar sobre realizações, novos acontecimentos, conquistas, participações da Cooperativa na vida de Piracicaba e região. Nas relações com a classe médica, mudava-se, também, o clima. Eudes Aquino mantinha contatos permanente com Alcides Aldrovandi e, em especial, com Manoel Gomes Tróia que, enfim, voltou a relacionar-se com a Cooperativa da qual fora fundador.

Nesse sentido, o ato de assentamento da pedra fundamental do hospital – projeto que não sairia do papel – teria um forte significado simbólico. Naquele dia, 19 de dezembro de 1992, uma caixa histórica foi enterrada no local pelos presidentes anteriores Manoel Gomes Tróia, Alcides Aldrovandi e Moracy Arruda, juntamente com Eudes Aquino. Nela, estão conservados visando à posteridade: “um pergaminho caligrafado em gótico, registrando o ato e assinado por todos os presentes. Um exemplar dos jornais da cidade daquela data e fotos identificadas e plastificadas de todo o Conselho Diretor da UNIMED, além da foto histórica de assinatura da compra do terreno”.7

A diplomacia de Eudes Aquino começava a funcionar.

UTIs e eventos

Uma nova sede, destinada ao departamento comercial, fora inaugurada na mesma rua 15 de novembro, nº 1482, dentro do projeto de ampliações. ´4Eela, instalaram-se, também, setores de manutenção de contrato e benefícios médicos.

No início de 1993, referindo-se ao 22º ano de existência da UNIMED, José Fernando Fanckin, vice-presidente do Conselho da Cooperativa, podia rejubilar-se diante do que ele definia como “experiência e maturidade”. Uma das grandes conquistas, além da UTI do Hospital UNIMED, tinha sido a UTI móvel, que se colocava à disposição da comunidade.

O responsável e orientador da montagem das UTIs – do hospital e a móvel – foi o médico intensivista Hamilton Antônio Bonilha de Moraes. A especialidade intensivista era das mais recentes à época, dominando a terapia intensiva nos ressuscitamentos e recuperações de pacientes em estado grave de saúde. Médico da Santa Casa, diretor técnico de saúde da ESALQ, Hamilton Bonilha era o médico responsável pelo Programa de AIDS do Escritório Regional da Saúde. A qualificação e prestígio de Hamilton Bonilha fortaleciam a credibilidade que o Hospital UNIMED buscava e começa a conquistar.

José Fanckin assinalava:

– “(…) o hospital passa por reformas profundas em sua infra-estrutura e setores de apoio – cozinha, farmácia, lavanderia – além de nova entrada, novas salas de espera e novos consultórios. (…) Somos um corpo clínico com 320 profissionais, prontos para atender a mais de cem mil usuários cadastrados em nossa cidade e região. (…) Na verdade, somos verdadeiro oásis no sistema médico do País. Tudo isto conquistado com muita experiência e maturidade.”8

José Fanckin, na realidade, mostrava também uma faceta da verdadeira guerra que se desenhava entre a medicina cooperativa e a “medicina mercantilista”, como ainda eram chamados os grupos concorrentes. Tanto assim era que, naquela mesma publicação, comemorava-se o resultado do Uniplan, novo plano de saúde das UNIMEDs em todo o Brasil: “A UNIMED resolveu bater forte na concorrência e, mais uma vez, saiu à frente, lançando inovar plano de saúde que garante atendimento personalizado ao usuário.” E divulgava o entusiasmo jubiloso do presidente da UNIMED do Brasil, Edmundo Castilho: “Este é o princípio básico do cooperativismo que praticamos.”

 

À filosofia da UNIMED Brasil, Eudes Aquino respondia com seu entusiasmo em Piracicaba, envolvendo-se cada vez mais com a comunidade. Patrocínios a iniciativas e entidades comunitárias foram estimulados, como o apoio ao E.C. XV de Novembro, que passou a ter, na sua camisa, o nome e o símbolo da UNIMED Piracicaba. Mas foi com a I Semana UNIMED – de 14 a 19 de dezembro de 1992 – que a comunidade piracicabana pôde perceber e sentir a presença mais acentuada da Cooperativa: almoço com imprensa, rádio e tevê, outdoors espalhados pela cidade, espaços em jornais, palestras, inaugurações. O envolvimento da Escola de Música de Piracicaba – no I Concerto de Natal UNIMED levou grande público ao Shopping Piracicaba, num clima de confraternização e de simpatia pela Cooperativa.

Além da diplomacia, Eudes de Freitas Aquino revelava a sua inegável capacidade também para o marketing e as relações públicas.

Notas

1 Entrevista de Eudes de Freitas Aquino ao autor, 17/09/2002.

2 ELIAS NETTO, op.cit.

3 ELIAS NETTO, op.cit.

4 Jornal UNIMED, nº1, out/1992.

5 Entrevista de Eudes de Freitas Aquino ao autor, 17/09/2002.

6 Entrevista de Francisco Toledo ao autor, 29/08/2002.

7 Jornal UNIMED, nº 2, jan-fev/1993.

8 Idem.

 

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