O sonho de Manoel Gomes Tróia (20)

A era da profissionalização

Apenas os deuses poderiam saber que, naquele dia 18 de julho de 1953 – quando Manoel Gomes Tróia ia pela metade de seus estudos na Faculdade de Medicina – estava nascendo, em Piracicaba, um bebê que viria a consolidar de vez a cooperativa de que ele se fizera líder: o menino Paulo Tadeu. De tradicional família piracicabana, filho de Orlando Falanghe e Paulina Meneghel Falanghe, Paulo Tadeu Falanghe, na infância, revelou muito mais pendores artísticos do que para a Medicina, à qual iria abraçar com denodo.

Estudou no centenário Grupo Escolar Barão do Rio Branco – primeiro grupo escolar de Piracicaba -, no Colégio Dom Bosco, foi aluno da Escola de Música, um pioneirismo de um casal idealista, Ernst e Cidinha Mahle. Clarinetista, Paulo Tadeu Falanghe participou de famoso concurso promovido pela escola, em nível nacional, o de “Jovens Instrumentistas”, sendo vencedor, com o seu virtuosismo, na clarineta.

Decidindo-se pela Medicina, estudou na Faculdade de Medicina de Santo Amaro, formando-se em 1977. Fez residência em Pediatria em hospitais da Prefeitura do Município de São Paulo. Chamado, em 1978, a servir o Exército, foi convocado como aspirante oficial, permanecendo um ano em Mato Grosso do Sul, onde deu baixa como 1º Tenente de Reserva. Serve, na área de Engenharia, em Bela Vista, na fronteira com o Paraguai, e, em Miranda, no CER-3, estaria entre os que construíram, através do Pantanal, a BR-262, ligando Campo Grande a Corumbá.

Em 1981 – já casado com Wânia Elizabeth Angeli Jordão – decide retornar a Piracicaba para clinicar, ingressando na Santa Casa de Misericórdia, atendendo também no Pronto Socorro Infantil na Avenida Independência. Ingressa na UNIMED no mesmo ano. Passa a fazer parte da diretoria da APM-Regional de Piracicaba, na gestão de Alcione Aprilante, em 1987, integrando a Comissão de Defesa da Classe.

Paulo Tadeu Falanghe revela, desde os primeiros contatos com a classe médica, tenacidade, entusiasmo e decisão. Passa a encontrar respeito e a chamar a atenção por sua disciplina de trabalho em grupo, capacidade de delegar e acalmar. Os amigos dizem que ele conseguia “que todos participassem a partir de um objetivo definido”. São marcas de disciplina e de trabalho em grupo que Paulo Tadeu traz da sua vivência da música e do seu tempo de Exército: trabalhar em grupo, como numa orquestra; em conjunto, como num batalhão.

Presidente da APM-Regional de Piracicaba por dois mandatos, de 1991 a 1995, vê sua atuação aplaudida pela maioria da classe médica, que percebe nova vitalidade na Associação. A tese de Falanghe foi a busca de resgatar a importância do médico, implantando o departamento jurídico e outros departamentos, completando a obra de construção da sede ao lado de Legardeth Consolmagno. E é o admirado Legardeth Consolmagno, médico da chamada “velha guarda”, que se torna um de seus principais conselheiros. Passa também a fazer parte da diretoria da APM-São Paulo.

Deixando a diretoria da APM-Regional de Piracicaba, Paulo Tadeu Falanghe participa mais ativamente da diretoria da UNIMED, da qual fizera parte como 2º secretário, na primeira administração de Eudes Aquino, e vogal e superintendente de benefícios médicos, na segunda. Já sabia que iria dedicar-se quase que inteiramente à Cooperativa. Descobre a sua vocação administrativa, a causa da classe médica o apaixona e a UNIMED-Piracicaba dá-lhe empolgação.

É assim que, quando Eudes de Freitas Aquino, encerrando-se seu segundo mandato, abre discussões para a sucessão, ouve de Paulo Tadeu Falanghe, sem rodeios: “Sou um dos possíveis candidatos.” (Foto: O hospital é objetivo de todos os candidatos.)

Idas e vindas

Segundo Eudes Aquino, o candidato natural seria Dalton José Baloni, que tivera destacada atuação como superintendente da Cooperativa. Mas Dalton insistia em recusar. Há um vácuo de indecisões. Para Paulo Tadeu Falanghe, Eudes Aquino não se pronunciava com mais ênfase “por estar aguardando uma interpretação dos estatutos”, pois, ainda que se interpretasse os estatutos permitirem um terceiro mandato, tratava-se de assunto polêmico.1 Nesse hiato, o médico Carlos Alberto Cury, que fora diretor da UNIMED-Piracicaba, decide lançar sua candidatura, sem, no entanto, mostrar apoios substanciais.2

Após alguns anos de calmaria, pelo menos aparente, a política interna da UNIMED-Piracicaba volta a ferver. A candidatura de Cury estimula tomadas de posições. Incentivado por companheiros da APM-Regional de Piracicaba, Falanghe procura Eudes Aquino e lhe faz a comunicação: “Eu vou me lançar candidato”. Era, assim, candidato a candidato. Isso, na reunião do Conselho de Administração, no final de 1996. Cury também confirma a sua candidatura.

Paulo Falanghe, percebendo grande apoio por parte dos médicos, tentou buscar o consenso, mas passou a ser “visto como candidato de oposição” à diretoria da qual fazia parte. Segundo seus críticos da diretoria, ele “se lançara de maneira errada”.3 É quando, procurando Eudes Aquino, ainda na presidência da Cooperativa, em busca do consenso, convida-o a ser candidato a vice na chapa que iria apresentar. Eudes acaba, inesperadamente, aceitando. “Foi, então, que Dalton Balloni resolveu também sair candidato. Eu já tinha aceitado ser o vice de Falanghe”, detalha Eudes.4

Na versão de Paulo Tadeu Falanghe, na entrevista já registrada, foi a própria diretoria de Eudes de Freitas Aquino quem convenceu Dalton Balloni a enfrentar a candidatura dele, estabelecendo a radicalização: situação contra oposição. Mas, na verdade, a chapa apresentada por Falanghe fazia uma leitura crítica da administração de Eudes e de Dalton Balloni. Por isso, a presença de Eudes Aquino como vice de Falanghe causou perplexidade.

O programa

Ao apresentar os nomes que iriam concorrer à sucessão da diretoria da UNIMED-Piracicaba, Paulo Falanghe apresentou também uma plataforma de trabalho que dizia claramente das intenções de seu grupo: “UNIMED para os cooperados”. Apresentou a chapa completa: Conselho de Administração: Paulo Tadeu Falanghe, presidente, Eudes de Freitas Aquino (vice), Tufi Chalita (tesoureiro), Euclides Montagnani Jr. (superintendente); Vogais: José Angelini, Luís Fernando de Castro, Enrique Crispim Insaurralde Costa, Ariovaldo Vendramin, Osmar Antonio Gaiotto Jr. Conselho Técnico: Cássio Camilo Almeida Negri, Fúlvio Basso, Mariângela di Donato Catandi, Antonio Sérgio Aloisi, José Henrique Mello Freitas, Luiz Kanhiti Oharomari. Conselho Fiscal: Marcelo Costa Regis do Amaral, Ary de Camargo Pedroso Jr., José Luiz Pavan, Ivan José Marmo de Almeida, Antônio Ananias Filho, Márcio Camargo Cunha. Delegados: Paulo Tadeu Falanghe, Antônio Amauri Groppo, Arayr Olair Ferrari.

O programa apresentava 18 propostas iniciais, insistindo que, em caso de vitória, os cooperados cobrassem-nas da diretoria. Eram elas:

1. Planejamento estratégico, com estudo do modelo de cooperativismo, objetivos

e metas, diagnósticos da situação atual. Fórum de discussão com a diretoria e cooperados;

2. Estudo de recursos operacionais e do corpo de funcionários;

3. Criação e normatização de organograma representativo;

4. Profissionalização da Cooperativa;

5. Determinação de atribuições específicas aos vogais;

6. Presença constante de um diretor-médico na Cooperativa, durante o expediente

normal;

7. Criação do cargo de “ombudsman”;

8. Melhoria da comunicação UNIMED-usuário;

9. Reativação do Conselho de Especialidades, eleições para os departamentos.

10. Representação das cidades que compõem a UNIMED-Piracicaba junto ao

Conselho das Especialidades;

11. Criação de seccionais nas cidades que compõem a abrangência da UNIMED Piracicaba, com um cooperado local como diretor seccional.5

12. Trabalho conjunto da Auditoria com o Comitê Educativo;

13. Prestação de contas mensal aos cooperados;

14. Hospital próprio, mantendo o planejamento;

15. Discussão de possibilidades de captação de recursos para o Hospital UNIMED;

16. Resgate da credibilidade do relacionamento médico-paciente dentro da

Cooperativa;

17. Manutenção da concorrência com os outros convênios, especialmente em relação à qualidade e remuneração médica;

18. Ampliação dos benefícios aos médicos cooperados, criando-se uma Fundação

de Benefícios;

As propostas, inegavelmente, eram críticas indiretas à administração anterior,

pretendendo reparar deficiências que cooperados detectavam.

 

O discurso e a vitória por um voto

A presença de Eudes de Freitas Aquino numa chapa tida como oposição à sua administração causou mal estar e despertou reações. Dalton Balloni tornou-se crítico acerbo daquela opção de Eudes e as eleições, convocadas para o dia 25 de março de 1997, realizaram-se em clima tenso e dramático. Desde o edital de convocação, publicado no dia 20 de fevereiro de 1997, não se conseguiu mais acordo algum. Houve um racha entre os cooperados da

UNIMED. A publicação da plataforma e do editorial assinado por Paulo Tadeu Falanghe, em março de 97, fechou, em definitivo, as portas para qualquer possibilidade de um eventual acordo. Ele fora duro e enfático. Primeiro, em relação à diretoria da qual fazia parte Dalton Balloni:

“Nossas propostas são conhecidas de há muito tempo. Elas representam a base do cooperativismo médico. Hoje, elas são literalmente ´copiadas` por quem pratica um discurso eleitoreiro. Será que durante 5 anos ninguém da atual administração as enxergou? Ou foram coniventes durante todo este tempo? Será que foi novamente interessante ocultar a realidade?”6

Obviamente, a chapa dita da situação tinha, como alvo, a presença de Eudes de Freitas Aquino na de Paulo Falanghe. Que respondeu, insistindo em transparência:

“Sem dúvida nossas propostas não se permitem serem corrompidas por qualquer tentativa de consenso, desde que as mesmas sejam respeitadas e que se as pratique: participação, atuação, honestidade e transparência. Por isso e só por causa disso, de termos um discurso coerente desde o início de nossa campanha, entendemos a vinda do atual presidente (Nota do Autor: referência a Eudes de Freitas Aquino) como uma tentativa de consenso em cima de um projeto consistente, oriundo das bases do movimento médico e que, por conta disso, não atropela e não escolhe nomes e não visualiza jogo de interesses.”7

Eram 380 os médicos habilitados a votar na eleição que, naquele dia 25 de março, realizou-se na Casa do Médico, na Avenida Centenário, 546. Daqueles, 330 compareceram para votar. A apuração manteve em suspenso todos os participantes. A disputa deu-se voto a voto. Ora ficava à frente a chapa encabeçada por Dalton, ora a de Paulo Falanghe. No final, o resultado dramático: 161 votos para chapa encabeçada por Dalton José Balloni, 162 votos para a de Paulo Tadeu Falanghe.

Por um escasso voto, Paulo Tadeu Falanghe tornava-se o quinto presidente da UNIMED-Piracicaba, tomando posse na manhã do dia 26 de março, algumas horas após a eleição. Num clima ainda tenso e de mal estar, Paulo Tadeu Falanghe assumiu. “Eu ainda estava perplexo. Não tinha conhecimento de como estava a situação da Cooperativa.” Na realidade, havia outras coisas que Paulo Falanghe não sabia. Por exemplo: que, enquanto ele – como novo presidente da UNIMED-Piracicaba – dava todo apoio à UNIMED-Brasil, seu vice-presidente, Eudes de Freitas Aquino, estava na oposição.

Os tempos de profissionalismo iniciavam-se com novas dissensões e com outros conflitos. Como a dizerem que seria preciso, mais outra vez, depurar para harmonizar.

 

NOTAS

1 Entrevista de Paulo Tadeu Falanghe ao autor, 15/10/2002.

2 Carlos Alberto Coury foi 2º tesoureiro e conselheiro técnico da UNIMED-Piracicaba de 1978 a 1980, na administração de Manoel Gomes Tróia, e 1º secretário, de 1990 a 1992, na administração de Moracy Souza de Arruda Júnior.

3 Entrevista de Paulo Tadeu Falanghe ao autor, 15/10/2002.

4 Entrevista de Eudes de Freitas Aquino ao autor, 17/09/2002.

5 As cidades então abrangidas pela UNIMED-Piracicaba eram: Águas de São Pedro, São Pedro, Charqueada, Santa Maria da Serra, Rio das Pedras, Laranjal Paulista, Tietê e Cerquilho.

6 Publicação “UNIMED para os Cooperados”, mar/1998.

7 Idem.

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