O sonho de Manoel Gomes Tróia (4)

O protocolo dos médicos

O enfrentamento ao INPS uniu a classe médica de Piracicaba, apesar de dúvidas e de receios. Os problemas eram crescentes, agravados pelo acirramento do autoritarismo no País. A grita era geral, percorria o Brasil. Tornando-se instituição agigantada, o INPS não correspondia às necessidades da população. Uma análise aguda do pesquisador Raimundo Araújo dos Santos – médico e estudioso da Fundação Oswaldo Cruz – revela algumas das razões de o INPS ter-se tornado inviável desde o nascedouro:

“O Ministério da Saúde não tem programa de saúde para o Brasil, nem nunca teve. (…) O INPS é o tipo de serviço que, a meu ver, não atende a nenhuma das necessidades da população. (…) Está muito mais preocupado em construir hospitais, centros de cardiologia, pneumologia, etc. (…) Isso deforma e deturpa todo o sentido que seria medicina, da medicina que a população realmente tem necessidade, a que precisa e que é a mais simples, a mais comum. (…) A visão do INPS é pegar o doente, atender no ambulatório e imediatamente interná-lo.”1

As deficiências do INPS e a questão da livre escolha dos médicos, por parte dos assistidos, passou a ser a grande bandeira da APM-Piracicaba e dos sindicatos, além da oposição radical à medicina de grupo. Manoel Gomes Tróia não hesitou: à medida que o INPS radicalizava, ele, como presidente da APM, radicalizava também. Tornava-se claro que o INPS não tinha critérios claros, variando de região para região, de cidade para cidade. Cada agente do Instituto parecia ter seus próprios critérios. A população não tinha direito a escolher o médico de sua preferência. Tróia fulminava:

– “O INPS está criando uma medicina de caráter quantitativo e não qualitativo, o que é positivamente inumano e fora da ética, pois constitui objetivo o número de doentes e não a natureza do atendimento. Ora, o doente deve escolher o seu médico, porque a sua confiança já é meio caminho andado no sentido da cura.”2

O INPS estabelecia um limite de consultas por médico e a livre escolha acontecia, assim, apenas com os excedentes. Os médicos queixavam-se tanto da remuneração quanto do atendimento. As estatísticas levantadas por Manoel Gomes Tróia eram impressionantes: 70% dos atendimentos eram feitos pelo INPS, 25% eram atendimentos gratuitos feitos em consultórios médicos, ambulatórios e apenas 5% em clínicas. As reclamações eram crescentes. Os bancários provavam que, com o INPS, diminuíra o padrão de atendimento que existia, anteriormente, no Instituto dos Bancários. O manifesto dos médicos era incisivo e, como presidente da classe, Manoel Gomes Tróia advertia:

– “Os médicos que não se ativerem às instruções determinadas no manifesto serão objeto de punição pela entidade de classe dos médicos.” 3

Era um recado direto e objetivo aos médicos que prestavam serviços e que dirigiam as empresas de medicina de grupo. A partir desse momento, acentuou-se, em grupos de oposição, as queixas contra Tróia, que passou a ser visto como “autoritário, individualista, ditador.” Mas ele apenas repetia o que constava do protocolo dos médicos firmado em 22 de maio de 1967. Era um posicionamento que iria determinar a convicção de que o cooperativismo era, realmente, a saída mais ética.

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