O sonho de Manoel Gomes Tróia (6)

66 médicos e um dentista

A APM-Regional de Piracicaba torna-se o berço da UNIMED. O local da assembléia constitutiva da UNIMED é eloqüente para mostrar os vínculos estreitos entre a Associação e a futura cooperativa: a sede da própria APM, à rua 15 de Novembro, nº 801, 12º andar, Edifício Lúcia Cristina. Manoel Gomes Tróia tinha preocupações quanto à presença dos médicos, pois aqueles dias do mês de dezembro de 1970 tinham sido tumultuados. Pela imprensa, artigos e comunicados mostravam as incompatibilidades dentre a APM, a SERVMED e a futura cooperativa dos médicos. Ao se referir à UNIMED, a diretoria da APM – com claro sentido provocativo – fazia questão de salientar: “NÃO É SERVMED”1

Uma frase de Tróia como que servia de bandeira para os que apoiavam a idéia da cooperativa: “Doença não é matéria prima e doente não é mercadoria.”2 Diante da movimentação médica em favor da cooperativa e das insistentes referências a “mercantilismo”, a SERVMED reagiu, em notas assinadas pelo seu então diretor-administrativo, Pedro de Negri. O texto era direto em relação à diretoria da APM, alegando que os responsáveis pela SERVMED nunca “pretenderam responsabilidade, apoio, endosso ou qualquer favoritismo dessa entidade” (APM-Regional Piracicaba).3 No dia seguinte à publicação, a APM voltava à carga, em nova advertência, “ao público, ao comércio e à indústria”, num alerta direto: “Não há ninguém autorizado nesta praça ou região para oferecer prestação de serviços médicos em nome desta Associação. Cuidado com os mercantilistas!”4

E um outro problema se interpunha à criação da cooperativa: a rivalidade que surgira entre a Santa Casa e outros hospitais, em especial o Hospital dos Plantadores de Cana. Havia médicos que, pertencendo ao corpo clínico de hospitais que não a Santa Casa, também prestavam serviços à SERVMED. E a proposta de Tróia era definitiva: não haveria complacência para quem trabalhasse com empresas de medicina de grupo. Foi assim que, para mostrar a adesão cada vez maior de médicos à criação da UNIMED, as publicações mostravam a lista dos que apoiavam a idéia da cooperativa e que pertenciam aos mais diversos hospitais, incluindo a Clínica Amalfi e o Hospital dos Plantadores de Cana.5

Nesse clima de tensões e de expectativas, de rivalidades e também de incredulidades, a porta da sede da APM-Regional de Piracicaba, no Edifício Lúcia Cristina, se abriu para a assembléia dos médicos. Um tenso Manoel Gomes Tróia aguardava a presença dos colegas. Tenso mas confiante, pois já tinha tudo preparado, como se não tivesse dúvida da aprovação daquela que, pela convocação, deveria ser uma “sociedade cooperativa de serviços médicos e hospitalares”. Tróia já elaborara desde estatutos até mesmo a tabela de pagamentos aos cooperados. E previra que cada votante participaria da cooperativa com cinco quotas de 100 cruzeiros, moeda de 1970. Essa parcela poderia, inclusive, ser paga com serviços. Para ter-se uma idéia atual, em 2003, daquele valor, basta considerar que correspondia a um quinto de uma consulta médica. (Ilustração: fac-símile de página de O Diário com a lista dos sócios fundadores)

A participação foi maior do que todos esperavam. Piracicaba, naquele ano, contava cerca de oitenta médicos, estando claro, pois, que a quase totalidade deles se interessou em fazer parte da cooperativa. Ao contrário do que ocorreria a partir dos anos 80, não eram tantos os que vinham exercer a profissão em Piracicaba. O historiador Oswaldo Cambiaghi, relacionando, em seu livro, cronologicamente os médicos recém-chegados a Piracicaba, cita apenas dois, entre 1963 e 1971: Eurotides Vendemiatti (1963) e Lineu Leonardi (1971).

Para fundar a UNIMED-Piracicaba, comparecerem 67 profissionais, todos eles votando favoravelmente à criação da cooperativa. Na verdade, eram 66 médicos, pois, entre os presentes, apoiando a iniciativa, estava um dentista e professor da Faculdade de Odontologia, dr. Enéas Lemaire de Moraes. Manoel Gomes Tróia justificou a aceitação do voto do dr. Enéas: “era uma cooperativa de serviços médicos e hospitalares, portanto…”6

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