O sonho de Manoel Gomes Tróia (8)

Uma região à espera

Manoel Gomes Tróia tinha os olhos abertos para uma região que, apesar de desenvolver-se economicamente, tinha grandes carências na área da saúde e do atendimento médico. Piracicaba era a cidade-sede de uma sub-região administrativa formada também pelos municípios de Águas de São Pedro, Charqueada, Iracemápolis, Rio das Pedras, Santa Bárbara d’Oeste, São Pedro e Torrinha. Juntas, somavam uma população, em números de 1968, de 209.783 habitantes.1Essa região era a mesma que estava sob a jurisdição da Associação Paulista de Medicina- Regional de Piracicaba.

Na realidade, a UNIMED nascia estreitamente vinculada à APM local, de tal forma que a própria sede da nova cooperativa estava localizada em instalações daquela associação, na Rua 15 de Novembro, nº 801, 12º andar, Edifício Lúcia Cristina. Mas, em relação ao funcionamento pleno, as informações, ainda que otimistas e quase eufóricas, eram desencontradas. Ora se dizia que, tendo sido legalmente instituída, a UNIMED-Piracicaba passaria a estar em pleno funcionamento “a partir do dia 18 do corrente” (janeiro de 1971)2, ora se garantia que sendo a UNIMED “já uma realidade”, iria “estar funcionando dentro de 60 dias”, conforme afirmava o próprio Manoel Gomes Tróia.3

Outras cidades, logo em seguida a Piracicaba, criaram suas UNIMEDs, como Campinas e São José dos Campos. Tróia trabalhara com tal confiança no êxito que, mesmo antes de ser eleito presidente, contratara a empresa santista SOCIPLAN (Sociedade de Planejamento), da economista Zoé Montecorvo, para fazer, em Piracicaba, o mesmo levantamento sócio-econômico que se fizera em Santos. Não tendo recursos para pagar os estudos e os projetos, foi a APM quem deu autorização para investir, de seu caixa, 35 mil cruzeiros, em moeda de 1969, para pagar a SOCIPLAN. Eram aqueles planos e aqueles estudos que determinavam a linha administrativa de Manoel Gomes Tróia quando se criou a UNIMED-Piracicaba.

Na realidade, porém, o entusiasmo do primeiro presidente da UNIMED-Piracicaba era maior do que o dos cooperados que continuavam na expectativa. Quase todos os profissionais tinham aderido. Segundo os jornais piracicabanos e a própria UNIMED divulgavam, 92% dos médicos de Piracicaba faziam parte da cooperativa. E, além deles, todos os hospitais tinham aderido à iniciativa. Esse apoio fortalecia o entusiasmo do próprio Tróia que, qual cavaleiro andante, saiu a campo para divulgar as excelências, vantagens e propostas da “entidade que surge para solução para assistência médica-hospitalar.”4

Sempre propondo soluções e serviços de alto nível, Manoel Gomes Tróia tinha uma movimentação ao mesmo tempo didática, para explicar o que era a UNIMED, e de caixeiro-viajante, em busca de interessados. Explicava o que era a UNIMED: “é uma entidade cooperativista, com o cidadão, ou empresa, participando da mesma através da compra de títulos, que serão pagos mensalmente e durante todo o tempo em que estiver em vigor.”5 E, indo quase ao exaspero, também tentava convencer a população sobre os serviços que a cooperativa haveria de prestar: “atendimento médico-hospitalar e cirúrgico, absenteísmo (exame para admissão às indústrias e controle de faltas), prestados através de contratos coletivos com as empresas ou contratos individuais, de acordo com os dois planos estabelecidos. Plano A: apenas para consulta médica. Plano B: consultas médicas, serviços técnicos (raio-x, laboratório, eletros,

etc.), atendimento curúrgico e hospitalar.”6

Tornava-se claro que o grande alvo a ser conquistado eram as empresas piracicabanas. Se a UNIMED-Piracicaba conquistasse a confiança e o respeito dos empresários, o grande sonho seria menos penoso de ser alcançado.

Primeiros planos, primeiros passos

Em sua grande luta no enfrentamento ao INPS, Manoel Gomes Tróia ouvira do Coordenador Geral do Instituto em São Paulo, Décio Pacheco Pedroso, palavras que passaram a acompanhá-lo quando da implantação da UNIMED: “Você é um general sem éxercito…” Pois, apesar do apoio da classe médica, ele se via solitário diante das dificuldades que se iam tornando cada vez mais desafiadoras.A primeira delas: não surgiam associados. As empresas não se manifestavam. As pessoas mantinham-se tímidas, aguardando.

Em uma tecla batia-se insistentemente: médicos e hospitais à livre escolha do associado. Era, ainda, resposta e provocação aos que exerciam a medicina de grupo. No início de 1971, a APM continuava advertindo: “cuidado com os mercantilistas!” E tinha como “dever moral, vir a público para alertar ao comércio e à indústria que não há ninguém autorizado nesta praça ou região para oferecer prestação de serviços médicos em nome desta associação.”7

Todo o empenho da APM passara a fazer-se em torno da UNIMED. E os planos insistiam em benefícios diferenciados. Não se dava ênfase ao Plano A, que previa apenas o atendimento a consultas, mais dirigido a particulares. Toda a divulgação se fazia em torno do Plano B que previa “a consulta, os exames necessários, hospitalização e todo o tratamento por conta da UNIMED, sem qualquer despesa para o interesssado”. E a insistência: “A entidade pagará toda despesa.” Quanto às empresas, as garantias que a UNIMED, através de Manoel Gomes Tróia, oferecia iam diretamente ao interesse dos empresários. O contrato com as empresas previa: “exame ao candidato a emprego, atendimento aos funcionários e exames periódicos, com direito ao atendimento aos familiares. Existe o interesse de recuperação do profissional, dando condições a que o mesmo esteja apto para o serviço, recebendo tratamento adequado e sem burocracia alguma.”

Era, no entanto, como clamar no deserto. Chico Toledo – Francisco Antônio Nascimento de Toledo – (Foto, em 1983)o mais antigo funcionário do Sistema UNIMED no Brasil, (NR: a data de referência é 2002) lembra-se da teimosia com que Manoel Gomes Tróia insistia em seu projeto, mesmo sabendo que nada acontecia.

– “Levaram-se seis meses para aparecer o primeiro contrato com empresas…”, diz Chico Toledo.

E Tróia confirma: foram seis meses de solidão, sem perspectivas. E as cobranças dos médicos começavam a ser feitas, promessas que pareciam ter sido nada mais do que promessas.

Foram as lideranças sindicais que apoiaram as convicções de Tróia, talvez mais confiantes naquilo que já tinha sido feito no IPASP e na APM do que pelo que poderia ser feito na UNIMED. Mais do que a expectativa de futuro, era o passado de Tróia que levava os sindicalistas a se solidarizarem com uma luta que, cada vez mais, parecia distante. Lá estavam Jaime Cunha Caldeira, dos metalúrgicos; João Nicolau, do pobre e pequenino sindicato da construção civil; Plínio Sigmar Bortoletto, dos comerciários; Ayres Nogueira, da fiação e tecelagem; José Perin, dos empregados rurais; Celso Camargo, da alimentação; Airton Campos Negreiros, do sindicato dos mestres e contramestres; o próprio Chico Toledo e Mário Dantas – então, ainda visto como “comunista dos mais atuantes” – entre os bancários. Ainda agora, Manoel Gomes Tróia não se esquece. E diz, entre grato e saudoso:

– “A UNIMED existe, em Piracicaba, por causa dos sindicatos. E pelo esforço de abnegação dos médicos cooperados e dedicação dos seus funcionários”.

Mas associados não apareciam, as empresas permaneciam na expectativa. Como camelô vendendo o que não existia, Manoel Gomes Tróia usou de suas relações e começou a visitar empresas, a fazer palestras no Rotary Club, no Lions Club, na Maçonaria. E foi um rotariano, professor da Esalq e com forte liderança em todas as áreas de Piracicaba, inclusive políticas, quem estendeu a mão para Manoel Gomes Tróia, o primeiro a sensibilizar-se e a assinar um contrato com a UNIMED: Felisberto Pinto Monteiro, como presidente da CIPATEL, a então toda-poderosa companhia telefônica de Piracicaba, nos tempos em que empresas particulares ainda dominavam o serviço de telefonia, antes da estatização dos militares. E o verbo correto foi esse mesmo: sensibilizar-se. Felisberto Pinto Monteiro não mostrara grande interesse, muita expectativa em torno daquela cooperativa. Mas conhecia Tróia e sensibilizara-se com sua luta. Foi em junho de 1971.

Era, porém, insuficiente. Pelos estudos que tinha em mãos, Tróia sabia que seriam necessários 3.500 usuários para a UNIMED começar a equilibrar-se. Os meses passavam e se estava longe de alcançar aquele objetivo. Apelou, novamente, aos sindicatos e propôs que a cooperativa lhes fizesse prestação de serviços. A Sociplan havia deixado uma organização de contratos coletivos, era difícil sair do esquema traçado. Tratava-se do plano de pré-pagamento no qual, por uma mensalidade préestabelecida e paga antecipadamente, o segurado tinha cobertura da consulta, dos exames complementares e internações hospitalares. Tinha sido este o plano assinado com a Cipatel. Mas os sindicatos não tinham recursos para arcar com despesas de pré-pagamentos. Foi, então, que se criou o plano de serviços prestados ou de custo operacional. Por ele, o associado do sindicato não pagava a taxa de inscrição e tinha direito à UNIMED, os médicos passando a receber por consulta ou por produção.

O funcionamento era simples: o usuário apanhava a guia no sindicato, ia ao médico, fazia a consulta, a guia ia para a UNIMED que faturava, enviava ao sindicato que, no final do mês, pagava a cooperativa, que repassava o pagamento aos médicos. Para isso, a UNIMED cobrava uma taxa de serviços de 3% sobre as consultas. Dado esse passo, Tróia conseguiu alugar a casa que seria a segunda sede da UNIMED, no número 660 da rua 15 de Novembro, entre ruas Alferes José Caetano e Boa Morte, vizinha à residência do médico Nelson Meirelles. Na verdade, pouco, ainda, mudara. Continuava sendo preciso colocar “dinheiro do próprio bolso”, como Tróia se lembra de ele e alguns diretores terem feito.

Foi quando apareceu Sebastião dos Santos Oliveira, o “Sebastião Gessy”. E, então, tudo começou a mudar.

1 Anuário Estatístico de São Paulo. São Paulo: Departamento de Estatística, 1970.

2 O Diário, 13/01/1971.

3 O Diário, 16/01/1971.

4 Idem.

5 Idem.

6 Idem.

7 O Diário, 12/01/1971.

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