A HISTÓRIA QUE EU SEI (CXVI)

Fim do “guidotismo” A eleição municipal de 1972 foi das mais melancólicas. Tinha-se, como princípio, que a ARENA venceria o pleito, mesmo porque, em pleno “milagre econômico”, havia um clima de euforia no país, a imprensa impedida de revelar os atrozes acontecimentos que ocorriam nos porões da ditadura. E o candidato mais forte, tido como já eleito, era João Guidotti, que conseguira levar como seu companheiro de chapa, candidato à vice prefeitura, o vereador Gustavo Jacques Dias Alvim. A ARENA, porém, estava irremediavelmente dividida, sem mais lideranças de expressão João Guidotti não unia e não entusiasmava, e todo o seu prestígio advinha do irmão falecido, Luciano Guidotti. Por outro lado, Guidotti e João Fleury passaram a agredir-se, esquecidos de que os adversários políticos estavam no outro partido, o MDB, tido antecipadamente como derrotado Os partidários dos dois candidatos arenistas hostilizavam-se entre si, num clima crescente de irritação e de nervosismo. João Fleury, com uma campanha milionária, tinha inaugurado o que se poderia chamar de primeira “campanha profissional” de Piracicaba, com recursos, especialistas, intérpretes de pesquisas de opinião, etc. Por outro lado, a máquina administrativa da Prefeitura, através do Prefeito Homero Athayde, trabalhava a todo vapor a favor de João Guidotti. No MDB, a candidatura tida como mais forte era a do vereador Jorge Antonio Angeli, político que vinha se destacando por sua popularidade e que tinha simpatias de alguns setores da Igreja, filho de numerosa e estimada família de imigrantes italianos. Bento Dias Gonzaga era, apenas, o candidato que levaria alguns votos para a legenda, tal o seu desprestígio naquela época. E Adilson Benedicto Maluf, um moço a quem o próprio MDB não dava qualquer importância, alguém a quem se dera uma vaga na legenda por falta de outros. Sozinho, Adilson Maluf foi fazendo a sua campanha, cercando-se de jovens, de amigos, instruído pelo tio, o experiente político Abrahão Maluf Sobrinho. O clima da campanha de Adilson Maluf era de tal forma descontraído que o seu “slogan” era como que uma brincadeira: “Vote sem dó, vote em Totó”. Totó era seu apelido. Começou a angariar simpatias, um fato novo na política que arejava o ambiente pesado e viciado das brigas que se avolumavam na ARENA. Quase ao final da campanha, algumas pesquisas começaram a detectar o que parecia impossível de acontecer: mesmo com João Guidotti sendo o candidato que teria a maior votação individual, o MDB poderia chegar à frente pelo voto de legenda. A aritmética – que não entrou nos planos de João Guidotti – dizia que um partido com três candidatos, o MDB, tinha mais possibilidade de votos do que o outro que tinha dois, a ARENA. O capricho de não se dar a legenda para o vereador Milton Camargo começava a custar caro, caríssimo, aos “guidotistas”. E havia um outro detalhe, fundamental: o “guidotismo” não penetrava na periferia, que tinha sido sempre “salgosista”. E a periferia e a zona rural começaram a descarregar os votos no “antiguidotismo” e, naquelas eleições, no MDB. A desunião política em Piracicaba era tanta que, na própria ARENA, a torcida era contra João Guidotti, de forma que Adilson Benedicto Maluf, com sua juventude descontraída, foi encontrando simpatias, acolhidas, apoios, recebendo conselhos e sugestões, inclusive a de que antecipasse o seu casamento previsto para o ano seguinte. O que faria ele, se fosse Prefeito? Nem o próprio Adilson Maluf sabia, sem qualquer experiência política ou administrativa, mas imbuído de muito entusiasmo realizador, exatamente na linha de Luciano Guidotti, o feitor de obras. Quando, no primeiro dia de apurações, as umas foram-se abrindo, Adilson Benedicto Maluf estava a meu lado, aguardando a contagem dos votos. As primeiras umas iam mostrando uma tendência: João Guidotti era, realmente, o mais votado de todos os candidatos, mas, pela legenda, o MDB ia colhendo maioria. Falei baixinho para Adilson Maluf: “Se continuar assim, você ganhou as eleições … ” O jovem candidato se emocionou, lágrimas caíram-lhe dos olhos, falou: “Eu gostaria tanto de que o meu pai estivesse vivo e visse o que está acontecendo”. Logo em seguida, repetiu as mesmas palavras a um repórter da Rádio Difusora. Ao término das apurações, os números eram implacáveis: João Guidotti tinha sido o mais votado, mas o prefeito era do partido que obtivera mais votos, o MDB. E o mais votado do MDB, para desespero de Jorge Antonio Angeli, chamava-se Adilson Benedicto Maluf. Era o fim de um tempo, o fim do “guidotismo” também. E o início de uma época atribulada, de inexperiências, de imaturidades de decisões que acabaram atingindo toda a estrutura político-econômica do município m tempo novo em que as mudanças sociais transformaram tudo.

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