A HISTÓRIA QUE EU SEI (L)

Piracicaba e o militarismo
Se, nos anos 70, como resultado de uma propícia conjunção de fatores, Piracicaba se tornou importante núcleo de oposição ao governo militar, a realidade é que, em 1964, a cidade – por suas mais expressivas lideranças e pela população como um todo reagiu com total apoio à chegada dos militares ao poder. Houve poucas exceções, entre as quais a “Folha de Piracicaba” – e isso iria custar aquele jornal, gravíssimos problemas que redundaram em seu fechamento – alguns sindicatos, poucas lideranças operárias e estudantes, especialmente os que se congregavam no Centro Acadêmico “Luiz de Queiroz”. Os políticos, de forma geral, apoiaram o golpe militar, alinhados que estavam a todas as manifestações de repúdio ao Presidente João Goulart que precederam o 31 de Março de 1964.

No entanto, nada se sabia da conspiração. O Governador Adhemar de Barros, em 30 de Março de 1964, telefonou para a casa de seu correligionário piracicabano, Luiz Guidotti, que, naquele dia, comemorava o seu aniversáno e também o de sua mulher, Diva. Cifradamente, o Governador convocou Luiz Guidotti para que, no dia seguinte, 31, estivesse logo pela manhã no Palácio dos Campos Eliseos, “armado, pois a situação estava feia.” Luiz Guidotti foi e, então, tomou conhecimento da conspiração e do golpe que já estava nas ruas. Adhemar de Barros convidou Luiz Guidotti para acompanhá-lo até o Comando do II Exército, onde estava o General Amaury Kruel que hesitava em apoiar o golpe. Luiz Guidotti ficou no automóvel, aguardando. Duas horas depois, Adhemar de Barros retomava dos seus entendimentos com Kruel: o general decidira-se a apoiar o movimento militar. Algum tempo depois, o General Kruel seria homenageado pela sociedade piracicabana.

 

Para Luciano Guidotti, na prefeitura de Piracicaba, a política tinha apenas o sentido de administrar a cidade e exercer o poder pessoal. Por sua própria formação, Luciano Guidotti não tinha um ideário político, sendo notoriamente contrário à atuação dos partidos políticos que, para ele, apenas interessavam na medida em que servissem como instrumento legal de ação política. Seus vínculos eram muito mais com pessoas do que com os partidos, sabendo, assim, como obter apoio quando era necessário. Notório anti-comunista, Luciano Guidotti tinha ojeriza por tudo o que dissesse respeito à problemática social e, assim, sempre via com maus olhos greves, reivindicações sociais, etc. Era de sua formação, inclusive por ser um empresário convicto das regras capitalistas. Domingos José Aldrovandi, por sua vez, se tomara umbelicalmente ligado ao Governador Adhemar de Barros, que estimulara e participara do golpe contra João Goulart, sendo, assim, um apólogo da chegada dos militares ao poder. Na Câmara Municipal, a maioria dos vereadores manifestou-se favoravelmente ao golpe, com exceção para os vereadores sindicalistas, Celso de Camargo Sampaio e Jaime Cunha Caldeira. Entre os que apoiavam os militares, estava, também, Francisco Antonio Coelho – que viria a ser presidente do MDB e do PMDB, algum tempo depois – e que se vinculara definitivamente ao esquema do “guidotismo”. Por sua vez, o deputado Salgot Castillon, já empenhado na campanha de Carlos Lacerda à Presidência da República, estava, também, entre os que receberam com euforia a mudança institucional brasileira. Salgot Castillon já tinha uma longa história de atritos com o Presidente João Goulart, desde quando este fora o vice de Juscelino Kubitscheck, por causa da instalação do SAMDU em Piracicaba. Naquela época, sendo prefeito da cidade, Salgot Castillon procurara João Goulart para acertar a instalação do SAMDU, mas Jango condicionara o pedido ao apoio à sua candidatura, novamente, a vice-presidência, fato inaceitável para Salgot que, sendo da UDN, estava comprometido partidária e ideologicamente com a candidatura de Milton Campos.

A imprensa piracicabana, com exceção da “Folha de Piracicaba”, rejubilou-se com o golpe militar, pois sua posição era de permanente insatisfação com o governo de João Goulart Assim, o “Diário” e o “Jomal” – sob o comando respectivamente de Sebastião Ferraz e Losso Neto – emprestavam seu entusiasmo aos novos acontecimentos. As elites, especialmente quando assumiu o governo o Marechal Castello Branco, demonstravam euforia e, em Piracicaba, a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, liderada por Odila Diehl, veio a ocorrer – ao contrário do que houvera em todo o país – exatamente após a vitória dos militares, mostrando, mais uma vez, a timidez das lideranças piracicabanas em se manifestar antes de os fatos se consolidarem. O MAF (Movimento de Arregimentação Feminina), através da liderança da professora Célia dos Santos Rodrigues, mobilizava as mulheres. Assim, quando os “Diários Associados”, liderados por Edmundo Monteiro, iniciaram a campanha “Dê Ouro para o Bem do Brasil”, logo ao início do governo Castello Branco, as forças políticas e empresariais não se furtaram a participar de mais aquele gesto de apoio “revolucionário”.

E havia um outro motivo para ojúbilo local: o Presidente Castello Branco houvera convidado o prof. Hugo de Almeida Leme, diretor da E.S.A. Luiz de Queiroz, para Ministro da Agricultura de seu governo. Era, de certa forma, Piracicaba próxima do poder, como ocorrera quando Jânio Quadros convidara Francisco de Castro Neves, filho de Samuel, para seu Ministro do Trabalho. Diretor da ESALQ, respeitado, pouco dado às lides políticas, o prof. Hugo de Almeida Leme era um nome que despertava a admiração dos piracicabanos. E, indo para chefiar o Ministério da Agricultura, Hugo Leme levava, consigo, um outro agrônomo piracicabano, José Carlos Pfiffer, seu cunhado e também esportista, homem de muitas relações políticas em Piracicaba, especialmente com os Comendadores Humberto D’Abronzo e Luciano Guidotti mais proximamente.

Em 1964, criava-se o Centro Acadêmico “Frederico Herrmann Júnior”, das faculdades de Economia, Contabilidade e Administração de Empresas (ECA) , que seriam o embrião da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). Os militares já estavam no poder. Aquele Centro Acadêmico, no entanto, se tomou, tão logo nascido, um núcleo de resistência à militarização do país, estando entre os poucos – os outros foram o C.A. “Luiz de Queiroz” e o C.A. “11 de Agosto”, da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – que teimaram em manter a nomenclatura quando o governo militar determinou que os centros acadêmicos se transformassem em diretórios acadêmicos.

O fato é que, se não houve qualquer organização conspiratória em Piracicaba precedendo o golpe militar. Os militares e os políticos que deflagraram o golpe – entre eles Adhemar de Barros e Carlos Lacerda – contaram com o apoio de opinião pública também nesta cidade.

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