A HISTÓRIA QUE EU SEI (LXI)

1968 “ANO DE CHUMBO”
Quem acredita no poder dos astros poderá, ainda hoje, dizer que 1968 foi o ano em que todos eles se conjugaram para criar problemas. O mundo foi palco de um festival de protestos e de violências. Em Paris, os estudantes tomaram e ocuparam quase todo o Quartier Latin, desafiando Charles De Gaulle. Na Tchecoslováquia, chegava ao fim a “Primavera de Praga”, com a invasão do país pelas tropas russas. Robert Kennedy, candidato à Presidência da República, nos Estados Unidos, era assassinado. Antes dele, morria, também assassinado, o grande líder negro, defensor dos direitos civis, Martin Luther King, em Memphis, no Tennessee. Jacqueline Kennedy – viúva do ex-xpresidente John Kennedy, também assassinado anos antes – casava-se com o armador grego Aristóteles Onassis, na Grécia. No Brasil, iniciavam-se conflitos cada vez mais assustadores, havendo prisões em massa no Rio de Janeiro (então &tado da Guanabara), Minas Gerais e, especialmente, em São Paulo. O Conselho Federal de Educação proporia um recesso escolar, impedindo que os estabelecimentos de ensino se transformassem em pontos de reunião. A cidade do Rio de Janeiro ficaria sob o controle do Exército, tais os movimentos de protestos que se multiplicavam: no restaurante Calabouço, morreria o jovem estudante Edson Luís Lima Couto, quase uma criança, abatido pela bala de um PM. O Comando de Caça aos Comunistas (CCC) invadiria o Teatro Ruth Escobar, depredando e espancando os atores da peça “Roda Viva”, de Chico Buarque de Hollanda. O movimento estudantil reagiria, corajosamente, enfrentando a polícia, os militares e, finalmente, propondo-se a enfrentar, no dia 1º de Abril, o quarto aniversário da revolução dos militares. Houve mortos e feridos, tudo se radicalizou e, em Junho, aconteceria a Passeata dos 100 Mil, impressionante manifestação que percorreu as ruas do Rio de Janeiro e que se espalhou por todo o país. Em Abril, tinha morri do o jornalista Assis Chateaubriand, dono todo poderoso dos “Diários Associados” e um dos líderes do golpe de 1964. A Rainha Elizabeth II, da Inglaterra, visitaria o país. Carlos Marighella lançava documento pregando a guerrilha como meio e instrumento para a expulsão do imperialismo. Charles Chandler, capitão do Exército americano, era assassinado por grupos de esquerda na cidade de São Paulo. Morria, também, vítima de atentado a bomba no quartel do II Exército, em São Paulo, o soldado Mário Kazel Filho. As tensões aumentavam, próximas da explosão. No entanto, a economia caminhava: Faria Lima, prefeito de São Paulo, inaugurava o primeiro trecho do Metrô; a Petrobrás construía, em Paulínia, a REPLAN, a maior refinaria do país, além de iniciar a ampliação da refinaria de Cubatão e do terminal de São Sebastião; a Ford prometia o lançamento do Corcel e a Volkswagen e a Chrysler aumentavam e quase duplicavam a sua produção; anunciava-se a criação da EMBRAER, em São José dos Campos, para fabricar aviões. E, em Ipeúna, no Interior do Estado de São Paulo, seriam presos mais de 1.200 estudantes que participavam do congresso clandestino da UNE, o 30º Caetano Veloso e Gilberto Gil, com a Tropicália, zombavam de tudo.

Em Piracicaba, Mário Dedini havia retomado da Itália, desistindo da opção de afastar-se de suas indústrias que estavam em crise. Estavam separados, ele e o sobrinho, Leopoldo Dedini, passando, a MAUSA, a ganhar grande destaque econômico e social. A agroindústria alimentícia começava a decair, cresciam as indústrias mecânica e metalúrgica. Surgiam nomes de destaque na economia piracicabana: Frigorífico Piraci• caba, Butilamil, S.L. Alves, Tatuzinho, Itelpa, Alvarco, Mepir, Auto Pira – empresas que vinham crescendo a partir dos anos anteriores. Havia sinais de expansão urbana, o abandono da zona rural, um início de migração. Piracicaba, essa parcela do mundo, também se transformava à medida que se ia transformando o mundo. Mas quase ninguém percebia. No CALQ, o Centro Acadêmico “Luiz de Queiroz”, empossava-se como Presidente, um jovem estudante de Agronomia, nascido em Campinas, criado em Cosmópolis e formado pelos padrões da UDN, na Usina Ester de José Bonifácio Coutinho Nogueira, o mesmo que fora candidato, em 1962, ao governo de São Paulo: João Herrmann Neto.

Nós, da “Folha de Piracicaba”, que havia desaparecido, estávamos no “Diário de Piracicaba”. que passava a ser “O Diário”, numa sociedade em que se incluíam também Sebastião Ferraz, Lázaro Pinto Sampaio e Domingos José Aldrovandi. Em 1968, os “Cursilhos de Cristandade” já haviam produzido os seus primeiros frutos, com a Igreja Católica propondo-se a uma nova reforma, agora vinda de Medellin, os primórdios da “Teologia da Libertação” para os católicos.

Em Fevereiro de 1968, o IBOPE fez uma pesquisa de opinião pública em Piracicaba, visando aferir a tendência dos eleitores para as eleições que se realizariam naquele mesmo ano. Em Julho, tudo iria alterar-se: morria, inesperadamente, o prefeito Luciano Guidotti. Em Dezembro, no dia 13, seria assinado o AI-5, pelo Presidente Costa e Silva, pouco depois dos resultados das eleições municipais em todo o país. Foi um ano de chumbo.

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