A HISTÓRIA QUE EU SEI (VII)

As eleições de 1947
Não se poderá dizer que os principais líderes políticos de Piracicaba na época tivessem convicções ideológicas, posicionamentos filosóficos. Mais simplistamente, eram homens dedicados e leais aos partidos aos quais se vinculavam, e desejosos de poder. Com a abertura democrática e com a Constituição de 1946, os partidos políticos que tinham, efetivamente, uma proposta ideológica de governo e de sociedade eram o PRP, abrigando os antigos “integralistas”; o PSB, dos “socialistas”; e o PCB, dos “comunistas”, proscrito em 1947. Em Piracicaba, o PRP teve força, chegando a eleger diversos vereadores. O PSB, com uma minoria de intelectuais, conseguiu criar núcleos dentro de uma escola tradicionalmente conservadora, mas de eficiente atuação política, como a E.S.A. “Luiz de Queiroz”, a antiga Escola Agrícola. Nela, começaram a pontilhar, entre os socialistas, homens como Warwick Estevam Kerr, José Soubihe Sobrinho, professores da instituição. Ao mesmo tempo, porém, a UDN se implantava na “Luiz de Queiroz”, bem como na Escola Normal de Piracicaba, muito embora esta última começasse a sofrer pressões do “ademarismo”.

Nas eleições de 1947, a população piracicabana tinha sua maioria na zona rural. Dos 76.616 habitantes – dados do IBGE em 1940 – quase 43 mil pessoas residiam na zona rural, onde prevalecia a influência de Luiz Dias Gonzaga. A maioria dessa população rural era formada por descendentes de italianos que cultivavam cerca de 51 alqueires da área do município, ocupando permanentemente cerca de 18 mil pessoas.

Entre estrangeiros e naturalizados, havia, em Piracicaba, quase seis mil pessoas. E uma curiosidade: mais de dois terços da população era solteira, 47.670 pessoas. A Igreja Católica tinha o predomínio absoluto entre os fiéis, contando-se 72.928 pessoas católicas. Por outro lado, o desenvolvimento industrial piracicabano – ainda que voltado para a agroindústria, especialmente com alambiques e produção de açúcar – era perceptível. Contavam-se 5.356 operários, sendo que as empresas com o maior número deles eram: Refinadora Paulista (Monte Alegre), com 1412 operários; Cia. Industrial e Agrícola Boyes, com 1221; Societé Sucréries Brésiliennes, com 439; Oficinas Dedini (M. Dedini), com 229 funcionários, em dados de 1945.

Em 1947, as eleições municipais, em Piracicaba, encontraram, novamente, frente à frente, as duas grandes e antagônicas forças políticas locais: os “gonzaguistas” e os “samuelistas”. Luiz Dias Gonzaga pertencia à UDN, era um de seus líderes, um partido presidido pelo ex-prefeito Jorge Pacheco e Chaves. Samuel de Castro Neves trabalhou pela fundação do PTB. Mais do que os partidos e as siglas, valiam o carisma e a influência, ainda, de Luiz Dias Gonzaga, o “coronel”, e de Samuel de Castro Neves, o “populista”. De um lado, uma aristocracia rural; de outro, o trabalhismo urbano, voltado para a periferia e, também, para os colonos e trabalhadores das fazendas e usinas.

Na Prefeitura, presidindo a eleição de 1947, estava Geraldo Pinto de Toledo, o último dos prefeitos nomeados, um “ademarista” convicto, também fundador do PSP, o partido de Adhemar de Barros. No Governo de São Paulo, Adhemar de Barros – eleito governador em 1946 – dava força a seus correligionários e, em Piracicaba, os “ademaristas” resolveram – para enfrentar o “gonzaguismo”, um adversário histórico – unir-se aos “samuelistas” do PTB. Foi assim que PTB e PSP se uniram para apoiar um candidato novo, um escolhido das recém-nascidas elites industriais, Lázaro Pinto Sampaio, um contador das Oficinas Dedini, homem de confiança do industrial Mário Dedini. O detalhe importante – que mostra uma tendência, em Piracicaba, para uma conciliação entre capital e trabalho – era o de que Lázaro Pinto Sampaio se candidatava por um outro partido-trabalhista, o PTN (Partido Trabalhista Nacional), que ou desaguaria, no futuro, no PSD ou se tornaria sempre coligado a este.

O fato novo, no entanto, nas eleições de 1947, foi a candidatura do advogado Jorge Coury, pelo PSD, o outro braço do “getulismo”, o braço urbano. Jorge Coury era um profissional competente, de sucesso e, além disso, muito estimado pelas classes menos favorecidas. Filosoficamente adepto do “integralismo”, Jorge Coury tentou galvanizar os sentimentos e a vontade dos profissionais liberais, dos intelectuais, de lideranças novas, daqueles, enfim, que se opunham à antiga dicotomia entre “gonzaguismo” e “samuelismo”. Jorge Coury era um homem requintado, de grande cultura e, para ele, Piracicaba tinha que modernizar-se, entrar no ritmo da nova realidade democrática, talvez no brilhantismo de um país que, sob a presidência de Eurico Gaspar Dutra e nas ilusões do pós-guerra, tinha divisas suficientes para torrar e moer em “nylons”, “cadillacs” e bens supérfluos. Jorge Coury, um intelectual, fazia parte desse espírito de modernização. E foi a alternativa para o repetitivo quadro político: a candidatura de Luiz Dias Gonzaga e o enfrentamento dela pelos “samuelistas”, no apoio ao candidato Lázaro Pinto Sampaio.

O quadro estava definido. Luiz Dias Gonzaga, candidato pela UDN, representando a aristocracia-rural e o que Piracicaba tinha de mais conservador. De outro, o “samuelismo”, agasalhado no PTB, apoiando Lázaro Pinto Sampaio, candidato do PTN, em união com PSP “ademarista”, industriais e velhas lideranças aristocráticas urbanas tinidos. No meio dos dois gigantes eleitorais, Jorge Coury tentou ingressar, como candidato alternativo e uma terceira opção.

As eleições foram concorridas, uma embriaguez democrática onde o povo se manifestou apaixonadamente. Apostava-se na derrota de Luiz Gonzaga, pois o velho estilo “perrepista” da eleição a bico de pena estava sepultado. No entanto, estavam vivos os chamados “currais eleitorais”, onde se abrigavam os eleitores que residiam em locais mais distantes, trazidos e levados em caminhões e jardineiras, alimentados de sanduíches. As candidaturas de Lázaro Pinto Sampaio e de Jorge Coury mobilizavam a zona urbana, levando a acreditar que um deles sairia vencedor. A Igreja manifestou-se a favor de Luiz Dias Gonzaga, nutrindo, também, simpatia por Jorge Coury. Lázaro Pinto Sampaio contava com o apoio da Maçonaria e também de Samuel de Castro Neves, razão mais do que suficiente para a Igreja posicionar-se contra.

E, quando os votos foram apurados, o resultado da primeira eleição popular pós-Getúlio não deixou margem a dúvidas sobre a influência e a presença viva do antigo PRP em Piracicaba: na união UDN-PRP, Luiz Dias Gonzaga era o vencedor. O eleitorado da zona rural votou coeso no velho “coronel”, revelando, porém, um fenômeno novo que começou a despontar em Piracicaba: a Câmara Municipal de Piracicaba, pela primeira vez no século, tinha um grande número de representantes “estrangeiros”. A “italianada”, como eram chamados os descendentes de italianos, fazia uma representação altamente significativa: Guilherme Vitti (UDN), Dovílio Ometto (PTN), Antonio Cera Sobrinho (PRP), Antonio Aggio (UDN), Antonio Fidélis (PTB), Antonio Lico (UDN), Aristides Giusti (PTN), Artur P. Furlan (PSP), Domingos Cassano (UDN), Guerino Oriani (UDN), João Batista Vizioli (PSD), Romeu Ítalo Rípoli (UDN), Waldomiro Perissinotto (PTN).

Essa presença “italiana”, a partir daí, iria ser decisiva, ao longo dos anos, na política piracicabana.

Elegia-se assim, Luiz Dias Gonzaga pela coligação UDN-PRP. Na Câmara Municipal, como vereador e em oposição, estava Samuel de Castro Neves, eleito pelo PTB.

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