A HISTÓRIA QUE EU SEI (XIV)

OS ANOS TUMULTUADOS (1951-54)
Os anos 50 poderiam, talvez, ser divididos em duas partes: a primeira, de 1950 a 1954, anos tumultuados; e de 1955 a 1959, como início de um tempo que se convencionou chamar de “anos dourados”.

Em 1950, Piracicaba participara, no dia 24 de Dezembro, da inauguração festiva de sua nova Catedral, uma vitória do Bispo D.Ernesto de Paula que, finalmente, conseguira impor sua autoridade sobre a elite piracicabana. Garbosos, em seus uniformes brancos, com inscrições azuis, os alunos do Colégio Dom Bosco marchavam pela cidade em dias festivos. Mário Dedini havia dado um impulso ainda maior às suas indústrias, após um pós-guerra fértil para o empresariado brasileiro.

Outras empresas começavam a despontar com destaque maior: as Oficinas Romano, de Antônio Romano, depois conhecido como Comendador Romano; a Tatuzinho, com o crescimento de Humberto D’ Abronzo, também mais tarde conhecido como Comendador D’ Abronzo; um empresário – nascido em Avaré e com rápida passagem por Limeira – se tornava vitorioso na comercialização de automóveis e representação da General Motors (GMC), um descendente de italianos de porte atlético, de poucas letras, mas dinâmico e estimulador de obras sociais, especialmente do “Lar dos Velhinhos”: Luciano Guidotti, que também se tornaria conhecido como Comendador Guidotti. Era como se fosse uma sina: após os “coronéis”, Piracicaba assistia ao surgimento dos Comendadores, quase todos eles vindos de famílias italianas, homens bem sucedidos, ricos, que, com seus títulos honoríficos – uma correspondência moderna de condes e de barões – ganhavam forte ascensão social. A Igreja Católica, distribuía, aos seus beneméritos – os que contribuíam para obras sociais católicas, especialmente – o título, até então honroso, de Comendador. Só que, com o passar do tempo, as comendas foram sendo comercializadas por outras instituições. E os comendadores ambicionavam o título de “Grande Oficial”, hierarquicamente superior. Mário Dedini foi o primeiro dos comendadores que, quando o título se banalizou, veio a ser “Grande Oficial”.

Em 1950, um acontecimento muito especial em toda a América Latina, mas visto por poucos: inaugurava-se a primeira emissora de televisão, a Tevê Tupi, no dia 18 de Setembro. Quem, porém, haveria de trazer a Piracicaba o “tempo de televisão” seria Eduardo Fernandes Filho, através de sua casa comercial, a “Mercantil Piracicaba”, na rua Governador entre as ruas Moraes Barros e 15 de Novembro. Eduardo Fernandes Filho representava as marcas RCA – Victor e Windsor e foi um televisor RCA, o primeiro a se instalarem Piracicaba, adquirido pelo Clube Coronel Barbosa. À frente da Mercantil Piracicaba, havia quase briga para se ter um espaço a fim de se “ver televisão”. O primeiro técnico a instalar e a consertar os aparelhos chamava-se Artur Bernardo. Lolita Rodrigues, Walter Foster, Mazaroppi apresentavam-se, ao vivo, na primeira transmissão. E a televisão começou a povoar a imaginação de um empresário, engenheiro-agrônomo, político, o homem responsável pela criação da Cidade Jardim, em Piracicaba: Romeu Halo Rípoli, que almejou construir uma transmissora de tevê piracicabana e o conseguiu, através da SOBRA TEL, juntamente com João Guidotti.

O Brasil ficara de luto em 1950: perdíamos a Copa do Mundo em pleno Maracanã, derrotados por 2 a 1 pelo Uruguai, após termos deslumbrado o mundo – vencendo de goleada quase todos os adversários – com o time formado por Barbosa, Augusto e Juvenal; Eli, Danilo e Bigode; Friaça, Zizinho, Ademir de Menezes, Jair e Chico. Em compensação, Piracicaba via, desde 1949, o E.C.xV de Piracicaba recepcionando, na rua Regente Feijó, os grandes times paulistas, no Campeonato Paulista de Futebol. Nas transmissões de futebol, despontava Pedro Luiz, casado com a piracicabana Graziela Dutra. As moças passeavam, nas noites de terças e quintas-feiras, dos sábados e dos domingos, na “calçadinha de ouro”, em frente à praça central, indo tomar “frapée” de côco ou de chocolate no bar da moda, o “Nova Aurora”, o “point” do início dos anos 50, do final dos 40.

Getúlio Vargas retomara ao poder, legítima e constitucionalmente eleito e empossado. Em São Paulo, o “ademarismo” sofria um grande golpe: o governador Lucas Nogueira Garcez – eleito por indicação e com o prestígiode Adhemar de Barros – rompera com o “chefe”. A Guerra da Coréia, o primeiro conflito internacional com o surgimento da “Guerra Fria”, era manchete dos jornais. O cinema ganhava grande impulso e, em 1950, a empresa cinematográfica “Vera Cruz” – criada com grande expectativa, no movimento artístico patrocinado por Cicillo Matarazzo e Franco Zampari -lançava o seu primeiro filme, “O Caiçara”, dirigido pelo italiano Adolfo Celi, com Eliane Lage e Carlos Vergueiro. Era o “boom” do cinema brasileiro, vindo, logo em seguida, “Terra é sempre Terra”, “Floradas na Serra”, “Apassionata”, levando os espectadores a se apaixonar por Tônia Carrero, Cacilda Becker, Jardel Filho, Anselmo Duarte e outros. E, em 1951, com a presença de cerca de 5 mil pessoas, inaugurava-se a I Bienal de São Paulo, ainda sob o mecenato de Cicillo Matarazzo e Iolanda Penteado.

A campanha do “O Petróleo é Nosso” alcançava, cada vez mais, as ruas, ecoando no Congresso Nacional. O país vivia um surto de nacionalismo eufórico.

Em 1954, comemorava-se o IV Centenário da Cidade de São Paulo, inaugurando-se o Parque Ibirapuera, com jardins de Burle Marx – que em Piracicaba eram atribuídos ao agrônomo, Octávio Augusto Teixeira Mendes – e projeto de Oscar Niemeyer. O escultor Victor Brecheret levara 20 anos erigindo o Monumento às Bandeiras. O Cardeal Carlos CarmeIlo VasconceIlos Motta, Arcebispo de São Paulo, inaugurava, na Praça da Sé, oficialmente a Catedral de São Paulo. Aviões lançavam chuva de papel prateado sobre a capital. E Piracicaba, tentando romper suas peias políticas, ia em busca de seu “piracicabanismo”.

Nas eleições de 1951, Samuel de Castro Neves aceitou a sua candidatura a Prefeito após muitas insistências do PTB, que, para aquela campanha, se aliara à UDN e se compunha com o partido-irmão, o PSD. Samuel de Castro Neves já se ressentia da precariedade de sua saúde, motivo pelo qual se recusava a ser candidato. Finalmente, acedeu, mas impôs a condição de ter, como companheiro de chapa – e, então, já se elegia também o vice-prefeito – um homem de experiência. O escolhido foi o “Ditoca”, Benedito Rodrigues de Moraes, que tinha sido prefeito nomeado de Maio de 1931 a Abril de 1932. Por sua vez, Luiz Dias Gonzaga não tinha, no PSP e partidos coligados, um nome com popularidade para enfrentar Samuel Neves, lançando, então, o professor de Matemática, Messias Szymanski, e como candidato a vice-prefeito um líder operário, Américo de Freitas.

A derrota dos “gonzaguistas” foi dolorosa. Samuel Neves e “Ditoca” elegeram-se até com certa facilidade e, na Câmara Municipal, a coligação UDN-PSD-PTB conseguia fazer a maioria dos vereadores. Entre eles, estava o jovem engenheiro Francisco Salgot Castillon, aquele mesmo que fora convidado, ainda no final dos anos 40, por Sebastião Rodrigues (“Tatu”) Pinto para ingressar na UDN. Salgot Castillon passou a ser um dos mais ativos participantes da UDN, sendo fiel e útil companheiro de Sebastião “Tatu”. Na sede do partido – no andar superior ao Bar Commercial, onde está, hoje, o Edificio Brasil, na rua Moraes Barros – os udenistas se organizavam e se preparavam para retomar ao poder. Na presidência do partido estava, ainda, Jorge Pacheco e Chaves, mas era sua esposa, Dona Jane (Conceição Pacheco e Chaves) a mais entusiasta. E, naquela mesma eleição de 1951, conseguia, também, o seu primeiro mandado de vereador um líder canavieiro, que fora farmacêutico, de nome Domingos José Aldrovandi, que viria a ter forte liderança política em Piracicaba, como que um contraponto a Salgot Castillon. Aldrovandi tivera sido suplente de vereador na legislatura anterior, no grupo “gonzaguista”. Em 1951, elegia-se pelo PTB. Sendo metodista, a liderança do Aldrovandi entre os canavieiros incomodava o Bispo D. Emesto de Paula.

A coligação PTB-PSD-UDN chegou à Prefeitura debaixo da fortíssima oposição dos “gonzaguistas”. A peça chave da municipalidade era o Diretor da Contabilidade, Frederico Ferraz Orsi, homem que conhecia todo o mecanismo da administração, funcionário de alto respeito. Aliás, uma das tônicas nas administrações públicas de Piracicaba foi, nestes 50 anos, a presença marcante de funcionários altamente credenciados e competentes que permitiram, aos prefeitos, uma rápida convivência com a administração. Frederico Ferraz Orsi parece ter sido como que um símbolo da seriedade e competência do funcionalismo municipal piracicabano, em seus cargos mais graduados. Os “gonzaguistas”, sabendo do estado de saúde de Samuel de Castro Neves, forçaram o afastamento – por aposentadoria – do Diretor da Contabilidade, acreditando que o jovem auxiliar de Frederico Orsi, Luiz Matiazo, não seria competente, aos seus 24 anos, para ocupar o lugar dele e ser eficiente junto à administração de Samuel Neves. De uma certa forma, os “gonzaguistas” como que repetiam, em Piracicaba, todo um clima de oposição, de denúncias, de revanches que, em nível nacional, se erguia contra Getúlio Vargas. O “anti-varguismo” e o “anti-ademarismo” estavam nas ruas. E Luiz Dias Gonzaga – um “ademarista” apenas pragmático – já percebia a ascensão de um novo político que surgia no cenário paulista, Jânio da Silva Quadros, o homem eleito por Vila Maria.

*CONTINUA

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