A HISTÓRIA QUE EU SEI (XLIX)
Greves e sindicalismo
Desde o início do século, Piracicaba se destacara em suas lutas operárias. Já em 1908 – conforme a historiadora Marly Terezinha Perecin – estudantes e famílias de operários queriam comemorar o dia 1 de Maio com marchas e uma sessão de cinema, quando, numa típica demonstração de luta de classes, o velho PRP decidiu, no mesmo dia, homenagear o seu líder Paulo de Moraes Barros. A “consciência de classes” foi uma das marcas do operariado piracicabano. No mesmo sentido, a influência marxista entre alguns intelectuais. Por isso, Piracicaba era tida, ainda em 1946, logo após, a ditadura de Getúlio Vargas, como um foco de esquerdismo. Naquele ano, o DOPS destacara o investigador Benevuto Boscheti – que participara de muitas ações anti-comunistas em São Paulo – para atuar em Piracicaba que, segundo ele, era um “ninho de comunistas”. No início dos anos 60, porém, quando o país acompanhava o pipocar de greves em todos os setores trabalhistas, Piracicaba não teve grandes sobressaltos. As relações entre patrões e empregados tinham muito de um entendimento por assim dizer patriarcal, inspirado no estilo de Mário Dedini, um empresário de perfil conciliador. Tanto assim é que, quando se aproximava o dissídio dos metalúrgicos, Mário Dedini tomava a iniciativa de convocar o presidente do sindicato, Jaime Cunha Caldeira – que se elegeria vereador pelo PSB – para iniciar as negociações. E, via-de-regra, solicitava a presença de Salgot Castillon, reconhecido como político de grande influência sobre os sindicatos.
As demais categorias profissionais geralmente acompanhavam a iniciativa de Mário Dedini, sendo certo, porém, que, estando em paz a área metalúrgica, as demais também se acomodavam, sendo poucos e raros os conflitos. As relações capital-trabalho, na realidade, nunca se mostraram – a não ser em momentos de crise nacional – como problema de difícil equação em Piracicaba. E isso se deve, certamente, à filosofia empresarial – muito do tipo familiar e patriarcal – implantada pelos três primeiros e grandes capitães da indústria piracicabana: Mário Dedini, Pedro Morganti e Pedro Ometto. Outro elemento importante na equação – e isso os historiadores precisarão conferir – talvez tenha sido o surgimento de um líder político com o perfil de Salgot Castillon que aliou o espírito da UDN – um partido com visão conservadora em todo o país – à confiança popular, a que damos o nome de “udenismo populista” ou “populismo udenista”, como vem sendo frisado.
O fato é que as lideranças sindicais de Piracicaba confiavam em Salgot Castillon, enquanto Domingos José Aldrovandi era homem de confiança e líder apenas dos fornecedores de cana, proprietários portanto. E Luciano Guidotti nunca manifestou qualquer sensibilidade para o problema social, mostrando uma quase obsessiva necessidade de fazer obras, um estilo que seria repetido, nos anos 70, por Adilson Benedicto Maluf. Assim é que o vínculo entre os sindicatos e Salgot Castillon foi permitindo que as composições e acordos fossem realizados, entre patrões e empregados, em relativa harmonia. Um exemplo disso foi quando o Comendador Antonio Romano decidiu não cumprir um acordo que Mário Dedini fizera com os metalúrgicos, no início dos anos 60, quando Salgot Castillon estava na Prefeitura. Proprietário de uma retífica de motores, Antonio Romano vinha impondo-se como próspero e vitorioso industrial, comendador da Igreja Católica, esportista e dirigente esportivo. Ao decidir pelo rompimento do acordo feito com os metalúrgicos, Romano criava um impasse também de ordem política. Um metalúrgico, já trabalhando no Sindicato dos Metalúrgicos, Newton da Silva (“Niltinho”) decidiu fazer o enterro simbólico de Antonio Romano, convocando os metalúrgicos para uma assembléia no Teatro São José. Os “guidotistas” posicionaram-se ao lado de Antonio Romano, a cidade se mobilizou. Chamado a participar do ato, o Prefeito Salgot Castillon colocou-se ao lado dos metalúrgicos, debaixo de uma saraivada de críticas dos “guidotistas”. No entanto, ainda que apoiando os funcionários da Retífica Romano, Salgot Castillon, habilidosamente, conseguiu impedir que o “enterro” acontecesse em praça pública. Mas os “guidotistas” nunca o perdoaram por isso.
A primeira greve importante, naqueles anos difíceis, foi a das tecelãs da Fábrica Bayes. A paralisação das mulheres era um fato inédito, nunca havia acontecido antes. O Comendador Louis Clement, gerente da “Boyes”, solicitou a intervenção do Prefeito Salgot Castillon. Outra greve, que mostrou a capacidade de mobilização dos sindicatos, foi a dos trabalhadores rurais em Rio das Pedras, onde o presidente do Sindicato da Alimentação, Celso de Camargo Sampaio – que também seria vereador pelo PSB teve atuação importante. Mas ele também acabou apelando para a presença de Salgot Castillon, que foi árbitro entre os trabalhadores rurais e os usineiros. E, finalmente, aconteceu a greve dos metalúrgicos, pouco antes de eclodir o golpe militar. Foi no mês de Março de 1964, dia 31, quando aconteceu o início do golpe. Mário Dedini havia transferido a administração do Grupo Dedini a seu filho Armando e ao sobrinho Leopoldo Dedini. Era este, Leopoldo Dedini, quem tinha a iniciativa das ações, mas era um homem inábil no trato pessoal. E Leopoldo não conseguiu entender-se com Jaime Cunha Caldeira, líder dos metalúrgicos. Os acordos não aconteciam, tornava-se cada vez mais difícil qualquer solução. Foi, então, que Jaime Caldeira pediu que Salgot Castillon, já deputado estadual, fosse o interlocutor das partes. Não houve acordo, Leopoldo reagiu desafiadoramente: “Se vocês tiverem c… (palavrão) façam a greve.”
A inabilidade de Leopoldo Dedini provocou os brios dos metalúrgicos e a greve aconteceu. Um episódio acidental determinou o rompimento definitivo de relações entre Leopoldo Dedini e Salgot Castillon, e foi decisivo para o que viria a acontecer depois a Salgot: a cassação. Ocorrera que Jaime Cunha Caldeira pedira a Salgot Castillon, com a sua autoridade moral de homem de confiança dos trabalhadores e também deputado estadual, que o acompanhasse em visita às fábricas que estavam em greve. Foram juntos, vistoriando os acontecimentos, no carro de Salgot, um velho Citroen dos anos 30. Quando chegaram à Metalúrgica, o ambiente era calmo e se preparavam para ir embora quando o Citroen não saiu do lugar: não dava a partida. Ficaram lá, tentando fazer o Citroen “pegar”. Naquele momento, Leopoldo Dedini chegou à Metalúrgica e, vendo Salgot e Jaime Caldeira juntos e parados à frente da fábrica, os acusou de estarem fazendo piquete.
Esses incidentes e tais greves inexpressivas merecem registro porque acabaram influindo, de maneira decisiva e permanente, na história política de Piracicaba. Somados com a greve dos ferroviários da Sorocabana, foram eles que formaram grande parte do “dossiê” com que os militares justificaram a cassação dos direitos políticos de Francisco Salgot Castillon por “subversão”.
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