PRUDENTE DE MORAES: vida, paixão e morte (4)
E o caipira chega à Presidência
A vida de Prudente de Moraes transforma-se numa paixão pelas liberdades humanas e pelo Brasil. A monarquia começa a abalar-se. Mesmo antes da abolição da escravatura, em 1888, a escravidão vai-se extinguindo em todo o País. A idéia republicana alastra-se pelo Brasil através dos “Clubes Republicanos”. Prudente de Moraes mantém-se fiel ao Partido Liberal, enquanto seu irmão, o Senador Moraes Barros, está entre os primeiros a aderir ao ideário do Partido Republicano em germinação. Segundo o historiador Hélio Silva, os tempos que precederam a queda da Monarquia como que preservaram Prudente de Moraes para uma missão maior: “Seu nome, sua presença estão nas primeiras manifestações daquela idéia, no Clube Republicano, no manifesto de 1870. (…) Mas não aparece demasiado à luz do primeiro plano e sua ação, no período da propaganda, restringe-se à sua província.”
A verdade é que Prudente de Moraes aparece menos do que os seus companheiros, mas a sua personalidade se impõe a todos. Acrescenta Hélio Silva: “Assim, esteve em São Paulo presente em todos os momentos decisivos da propaganda, quando pregar a República era subversão; não faz propaganda fora de seu Estado, não confabula, não liga, não conspira, não segue a atuação coleante de Quintino Bocaiúva (…) não está entre aqueles que acompanharam Benjamin Constant à casa de Deodoro, para arrancar da cama o Marechal enfermo, levá-lo de caleche, ao largo de Santana e (…) desfechar o golpe militar que derrubou a Monarquia. (…) Há uma sabedoria misteriosa nos acontecimentos. Prudente, mantido à distância dos acontecimentos (…) permanece o mais puro, o intocável dos republicanos históricos, como se o destino o assinalasse para uma missão especial.”
Caminhada republicana
Os acontecimentos, ano após ano, vão minando a Monarquia. Alguns deles são fundamentais: a crescente luta pela abolição da escravatura que culmina em 13 de maio de 1888; a Questão Religiosa, colocando a Igreja e a Maçonaria em confronto a partir de 1873; a Questão Militar, conhecida como a do “soldado-cidadão”, liderada pelo Marechal Deodoro a partir de 1883. E, finalmente, a gota d´água: o Baile da Ilha Fiscal, em 11 de novembro de 1889, quando a monarquia escandalizou o povo e a oposição com os seus esbanjamentos.
Os piracicabanos tinham sido os primeiros a aderir ao Manifesto Republicano de 1870, assinado, entre outros, por Saldanha Marinho, Rangel Pestana, Quintino Bocaiúva. O jornal carioca “A República” registra o apoio pioneiro de Piracicaba através de figuras de destaque como Manoel de Moraes Barros, Miguel Arcanjo Benício Dutra (Miguelzinho), Barata Ribeiro, médico de Prudente de Moraes. Em 18 de abril de 1873, acontece, em Itu, a histórica convenção republicana, na casa de Carlos de Vasconcelos de Almeida Prado e tendo João Tibiriçá na Presidência. Os republicanos de Piracicaba são representados por Manoel de Moraes Barros.
Prudente de Moraes inscreve-se no Partido Republicano em 1876. E, de 1878 até 1889, representa o Partido Republicano nas legislaturas provinciais, tendo como companheiros Martinho Prado Júnior e Cesário Motta. Ainda na Monarquia, o Partido Republicano oferece, a Prudente de Moraes, a Presidência da Província de São Paulo, mas ele se nega a aceitar a honraria, pois “era um republicano e não podia aceitar um cargo da monarquia.”
No Governo de São Paulo
A atuação de Prudente de Moraes na Assembléia de São Paulo aumenta, cada vez mais, a sua influência, despertando o respeito e a admiração do povo e dos partidos. Quando acontece a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, Piracicaba se aglomera junto à casa de Prudente de Moraes, na rua Santo Antônio e diante do “Club Republicano”, cantando a “Marselhesa” como um hino à liberdade e homenageando o seu grande líder.
Um telegrama convoca Prudente, com urgência, para ir a São Paulo onde, no dia 16 de novembro, é aclamado para compor, em triunvirato, a Junta Governativa de São Paulo, ao lado de Rangel Pestana e do Coronel Souza Mursa. Os dois companheiros se exoneram e, por decreto de 3 de dezembro de 1889, Prudente de Moraes é nomeado o primeiro Governador do Estado de São Paulo no período republicano. No cargo, ficaria até 18 de outubro de 1890, quando se torna senador e passará a presidir o Congresso Constituinte.
Pouco se fala do governo de Prudente de Moraes à frente do Estado de São Paulo. No entanto, foi uma administração profícua e marcante, apesar de curta. No plano da Educação, convocando Caetano de Campos, transformou as escolas anexas à Normal em escolas modelo, inspirando-se no ensino de Martha Watts em Piracicaba, mandando construir, na Praça da República, a Escola Normal, orgulho arquitetônico elaborado pelo arquiteto Ramos de Azevedo; incumbiu Américo Brasiliense de elaborar o projeto de Constituição do Estado de São Paulo; reorganizou o serviço de Obras Públicas. Desenvolveu o Corpo de Bombeiros, ampliando o pessoal e renovando o material; autorizou o ingresso de 60 mil imigrantes no Estado; celebrou contratos para o serviço de cultura e vacina animal; criou diferentes distritos policiais; estimulou o alistamento eleitoral, quando se qualificaram, no Estado, 68 mil cidadãos.
O Presidente da Constituinte
Deixando o Governo de São Paulo, tornando-se Senador da República, Prudente de Moraes, tão logo se abre a Constituinte Republicana de 1890, é aclamado seu presidente, no dia 21. A sua indicação, num ambiente político marcado por discórdias e confrontos, tranqüiliza as classes produtoras. No Exterior, a sua indicação é recebida com alívio, dado o reconhecimento de suas qualidades cívicas e de bom senso. “La Revue Diplomatique”, de Paris, registra: “…uma justa recompensa a toda uma vida devotada à vitória da democracia.”
A sua atuação é fundamental para a conclusão dos trabalhos do Congresso que, finalmente, vê Prudente promulgar a Constituição Brasileira, no dia 24 de fevereiro de 1891. No dia imediato, dá-se a eleição, pelo Congresso, do Presidente da República e o nome de Prudente de Moraes é apresentado como alternativa civil, ainda que se soubesse das forças que se mobilizavam em favor da dupla militar, Deodoro-Floriano. Prudente é candidato dos republicanos civilistas, mas Campos Salles dificulta sua eleição, tentando levar os paulistas a apoiar o Marechal Deodoro. Os militares ameaçam com a dissolução do Congresso e com um golpe contra as instituições.
No dia 25 de fevereiro de 1891, com policiais armados à frente do Congresso, realizam-se as eleições presidenciais, a primeira sob a luz da Constituição. São 234 representantes votando. O Marechal Deodoro da Fonseca recebe 129 votos e Prudente de Moraes – que se recusara a ser candidato à vice-presidência – 97. A oposição, no entanto, elege Floriano Peixoto à vice-presidência.
Nas ruas, as comemorações não são de apoio a Deodoro, mas de aplausos frenéticos a Prudente de Moraes e a Floriano Peixoto. Populares carregam Prudente de Moraes nos ombros. E ele é aclamado como “Benemérito da Pátria”.
Crise sem fim
Prudente de Moraes é eleito vice-presidente do Congresso Nacional. A Presidência, por dispositivo constitucional, cabe ao Vice-Presidente da República, no caso, Floriano Peixoto. Torna-se evidente que o Marechal Deodoro da Fonseca não terá forças para sustentar o governo. Seu espírito autoritário acentua-se e há um conflito permanente entre os civis e os militares. As eleições nos estados criam um clima de paralisia no País, enquanto os problemas se agravam, inclusive nas relações exteriores. Em julho, Deodoro adoece e Floriano assume. Mas, em setembro, Floriano também adoece e deixa o governo. A crise aumenta até que Deodoro, mesmo doente, consegue reassumir o governo.
Os quartéis estão insatisfeitos. A crise econômica impopulariza o governo cada vez mais. O Congresso se faz cada vez mais hostil ao Governo e se torna famosa a frase do Marechal Deodoro na Presidência: “Não posso mais suportar esse Congresso: é de mister que ele desapareça para a felicidade do Brasil.” E, no dia 3 de novembro de 1891, Deodoro lança um manifesto à Nação explicando o porquê da dissolução do Congresso Nacional. O ato ditatorial torna ainda mais impopular o governo. E, em meio a crises sem fim, Deodoro renuncia ao mandato em 23 de novembro de 1891, sendo substituído pelo vice, Floriano Peixoto.
O caipira na Presidência
Não foi mais feliz o governo de Floriano Peixoto. O Brasil, com revoltas iniciadas no Rio Grande do Sul, entrou em guerra civil. Os gaúchos pregaram a revolução federalista, separando-se. No Rio de Janeiro, a Armada rebelou-se. Os monarquistas – que tinham adeptos entre os militares, como Custódio de Mello e Saldanha da Gama – acreditavam que, com o desgaste de Floriano, retornariam ao poder. Diversos estados entraram em conflagração por políticas domésticas, como Santa Catarina e Paraná. Conspira- se, também, em Pernambuco.
É nesse clima irrespirável que São Paulo lança a candidatura de Prudente de Moraes para a sucessão de Floriano Peixoto, contrariando o próprio Floriano e militares que desejam a Presidência da República. No dia 3 de setembro de 1893, o Congresso designa, oficialmente Prudente de Moraes como candidato, tendo o baiano Manuel Vitorino como vice. Na Baía da Guanabara, eclode a Revolta da Armada, uma crise que chega a ponto de Custódio de Mello bombardear a cidade do Rio de Janeiro. Decreta-se o Estado de Sítio, que alcança Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em Canudos, Antônio Conselheiro mobiliza multidões ainda que não se saiba se é um movimento político-social ou religioso. É um Brasil conflagrado.
Nesse Brasil sem paz, Prudente de Moraes é eleito Presidente da República no dia 1º de março de 1894. Nas urnas, Prudente obtém 299.883 votos. Em Piracicaba, o regozijo é total. Jornais da época noticiam os fatos e, até a posse de Prudente, divulgam as manifestações recebidas pelo Presidente eleito. E é em Piracicaba que, no dia 22 de junho de 1894, o dr. Prudente José de Moraes Barros recebe o telegrama de sua proclamação, assinado pelo 1º Secretário do Congresso Nacional, João Pedro Belfort Vieira, com os seguintes dizeres:
“Com satisfação, cumpro o dever de comunicar-vos que, em sessão de hoje, fostes, por unanimidade de votos, reconhecido e proclamado, pelo Congresso Nacional, Presidente da República no período de 1894 a 1898 e em nome da mesa saúdo-vos pela honrosa manifestação do voto popular.”
Se Floriano Peixoto não dava mostras de estar satisfeito, pelo menos enviou, conforme a “Gazeta de Piracicaba”, de 28 de junho de 1894, o lacônico cumprimento: “Saúdo primeiro magistrado que saberá felicitar a nação.”
No dia 31 de outubro, Prudente José de Moraes Barros deixava a cidade de Piracicaba, embarcando para o Rio de Janeiro, para assumir o Governo do Brasil. Era um caipira na Presidência da República.
*Continua