A saga dos Krahënbühl

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Piracicabanos destes últimos 30, 40 anos – sei lá! – têm sido vítimas da perda da memória de nossos tempos. Vítimas, por ter-lhes sido sonegado o tesouro de nossa história, das conquistas, do pioneirismo, da formação de um povo. Lamento. Mas, a depender de mim, prosseguirei tentando contá-la, lembrá-la, até o meu último suspiro. Pois continuo rendendo graças a Deus pelo privilégio de tanto ter visto e acompanhado. Em meu próximo livro – “Piracicaba que amamos tanto” – de fotos e postais antigos, confesso esse amor em feitio de oração.

Na 5ª. feira, os salões da Sociedade Italiana foram testemunhas de um encontro de imenso significado para Piracicaba. Naquela noite, a família Krähenbühl – com membros vindos de Brasília, de São Paulo, de outras localidades – reuniu-se para entregar, aos piracicabanos, um monumento de grande significado histórico. Foram a entrega e a doação do livro “Aspectos da assimilação e ascensão social do italiano na comunidade paulista de Piracicaba”, obra notável de Hélio Morato Krähenbühl, outro gênio de uma família de gênios.

Infelizmente, Hélio não pôde ver, em vida, a publicação de seu admirável trabalho. Fui honrado por ele – há cerca de 15 anos ou mais – com a leitura dos originais. Impressionei-me de imediato. Quem conheceu Hélio Krähenbühl sabia de sua vasta erudição, cultura humanística transbordante, magistralmente regida por um rigor acadêmico raro em alguém, como ele, que era um autodidata. Hélio foi um dos pioneiros na construção de Brasília, chamado por Juscelino para fazer parte da equipe administrativa da grande obra.

Amigo íntimo de João Chiarini – desde as românticas lutas comunistas dos 1940/50 – Hélio jamais deixou de amar Piracicaba ou dela se lembrar. O seu estudo sobre a imigração italiana em nosso município resultou de uma exaustiva e ampla pesquisa – incluindo fontes internacionais – que descortinou realidades novas a enriquecer-nos a história. O Instituto Histórico e Geográfico apoiou o evento, como que ressarcindo-nos da culpa de termos ignorado a obra de Hélio décadas atrás.

O presente a Piracicaba tornou-se ainda mais rico com a entrega de outras duas preciosidades literárias e históricas: a Coletânea de Poesias, do inesquecível Pedro Krähenbühl, um dos mais vigorosos intelectuais piracicabanos, e a “Obra Poética”, de seu filho Pedro Morato Krähenbühl, que espantou o mundo literário brasileiro desde a década de 1940. Por seu talento, pela riqueza de suas reflexões, pela sensibilidade aguda diante das angústias existenciais daquela época. Ter conhecido Pedrinho, ter saboreado cada uma de suas palavras é, ainda hoje, para mim, como que uma bênção. E saudade intensa.

Participando daquele encontro – um privilégio que me emocionou profundamente – vivi sentimentos conflitantes, paradoxais. Um deles, o de alegria ao ver a generosidade de uma família que, acreditando estar homenageando os seus escritores, não se dera conta de, na verdade, estar homenageando Piracicaba. E outros sentimentos, de quase tristeza, ao não entender como essa nova Piracicaba não se dá conta de quanto os Krähenbühl foram e são importantes em nossa história, desde a sua chegada, ao final do século 19. E mais: tristeza de saber que nossa juventude desconhece esse tesouro de realizações, referencial que ainda permanece.

Como permitir que as novas gerações desconheçam ter sido a família Krähenbühl a pioneira na instalação da indústria paulista? Aqui, em Piracicaba! E as sementes literárias, culturais, artísticas, políticas, jurídicas? Permito-me revelar uma das epígrafes que adotei em meu livro, palavras agostinianas: “Ninguém ama aquilo que não conhece.” Conhecer a história de Piracicaba é amá-la cada vez mais.

Hélio Krähenbühl – o saudoso e genial Hélio – deixou-nos um tesouro que sua família nos entregou na 5ª. feira. Piracicaba, mais uma vez, fica em dívida para com os Krähenbühl. Mas o plantio deles ainda produz colheita fértil

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