Thales Castanho de Andrade, 130 anos (4)

Tendo uma especial relevância entre os escritores de literatura infantil e juvenil no Brasil, o piracicabano Thales Castanho de Andrade produziu uma literatura que teve grande repercussão por mais de quarenta anos no país –especialmente entre as décadas de 20 a 60 –, uma vez que seus livros, publicados pela Editora Melhoramentos e, posteriormente, pela Companhia Editora Nacional, eram distribuídos nas escolas públicas. Sua obra, se reconhecida como pedagógica e pioneira pelas temáticas que abordava, também se descortina como pertencente ao cenário e à ideologia que, então, fomentavam no Estado de São Paulo um caráter político aderente às forças republicanas nacionalistas.

No plano da literatura pedagógica, ao produzir uma obra literária voltada para as questões educacionais, Thales abordava aspectos tais como a devastação das matas e o incentivo ao reflorestamento, defesa dos animais úteis à lavoura, proteção às aves, o combate à saúva, entre outros. Seus textos aliavam, assim, uma preocupação com as questões educacionais, ecológicas e regionais – podendo ele ser considerado um pioneiro na literatura infanto-juvenil por tratar de assuntos como a ecologia, enquanto isso ainda não era tema de debates. Nesse sentido, Thales inicia também uma vertente dentro da literatura infantil brasileira, que é a do Brasil rural.

A esse respeito, Nelly Novaes Coelho, em seu livro Panorama histórico da literatura infantil/juvenil, assinala que “a grande novidade surgida após ‘Através do Brasil’, de Olavo Bilac, foi a novela ‘Saudade’, de Thales Castanho de Andrade, publicada pela Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo (com tiragem inicial de 15 mil exemplares), em 1919. Com ela abre-se um caminho que vai ser dos mais trilhados pela literatura didática daí em diante: o rural”. Na mesma trilha, o caráter pedagógico-ruralista da obra de Thales é também evidenciado pelo escritor Monteiro Lobato, quando do lançamento do livro ‘Saudade’, ao afirmar que o livro do autor piracicabano “é para a infância das escolas” e “que cai nossos meios pedagógicos com o fulgor de um raio.”

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“A grande novidade surgida após ‘Através do Brasil’, de Olavo Bilac, foi a novela ‘Saudade’, de Thales Castanho de Andrade, publicada pela Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo, em 1919.”

Em artigo publicado nesta mesma Tribuna, em 4 de novembro de 1997, Hugo Pedro Carradore nos informava também que o próprio Thales encarnava em sua figura o papel de um grande educador – sendo parte de sua vida e trajetória dedicada plenamente ao universo das escolas, uma vez que “Thales foi professor da Escola Isolada Rural da Estação Banharão, município de Jaú; adjunto do Grupo Escolar Porto Ferreira; adjunto do Grupo Escolar Modelo, anexo à Escola Normal Oficial de Piracicaba”. Ainda segundo Carradore, “na área do Magistério, Thales foi inspetor técnico de Ensino rural e assistente técnico do Ensino Rural. (…)”. Por fim, Hugo Pedro Carradore destaca, no referido artigo, que “Thales foi também diretor geral do Departamento de Educação do Estado de São Paulo, chegando a ser Secretário da Educação do Estado de São Paulo.”

A biografia posta pelo folclorista piracicabano nos chama a atenção, todavia (e para além da observação de que Thales era – de fato – um homem dedicado ao ensino) para o lado político do trabalho do escritor, uma vez que Thales, como nos conta Carradore, foi Secretário da Educação do Estado de São Paulo e – para além do que nos conta o folclorista – foi também fiel signatário da fundação do antigo PRP, o Partido Republicano Paulista.

Por demonstrar em seus livros uma incansável preocupação com os valores do universo rural – deixando-se entrever que sua obra agradava, nessa fusão entre pedagogia e política, em muito ao poder constituído da época –, Thales passa, então, a receber elogios de grandes figuras do cenário político nacional e internacional. Por exemplo, o presidente Washington Luiz de Souza chegou a afirmar que “nomeando o jovem e brilhante paulista prof. Thales Castanho de Andrade para catedrático de História da Civilização e do Brasil da escola Oficial de Piracicaba, amplio a esfera de sua patriótica ação junto à infância e à juventude”.

Na seara da pedagogia e da política, vemos que também o Governador Armando de Salles Oliveira revelou publicamente, em jornal da época, que estava “satisfeito por ter nomeado Thales de Andrade Diretor da Escola Normal de Piracicaba, sua terra natal”, pois “ele é digno desse cargo e de cargos mais elevados” da política nacional.

Também no mesmo sentido, em 1959, quando do aniversário de 40 anos da publicação do seu livro mais conhecido (‘Saudade’), o senador Auro de Moura Andrade relatou – em pedido de moção aprovado pelo Senado – que o referido livro “tem servido à instrução brasileira,” sendo “adotado pelas escolas” e “principalmente, tem ensinado à infância brasileira as mais generosas, belas e cívicas lições de amor à vida rural, de respeito pelos homens do campo e de orgulho pela nacionalidade” – sendo que “a escolinha rural, descrita por Thales de Andrade, é como um santuário dominado pelo espírito da Pátria”, completa o senador.

Fica claro, portanto, que Thales – muito para além do destaque que dá à vida rural em seus livros – é elogiado pela ideia de nacionalidade que neles veicula. Isto é, no momento em que o Brasil urbano começa a se desenvolver, a obra de Thales é vista como um evangelho ruralista capaz de ensinar à criança o que é a pátria – sendo esse aspecto (a fusão entre literatura, pedagogia e política) um dos mais intrigantes e arriscados a ser trilhado por Thales ao longo de sua vida e obra, e pelos estudiosos que querem se debruçar sobre esses textos sem a venda nostálgica do bairrismo amoroso a encobrir os olhos.

Em síntese, é fato que o exercício de conhecer a obra de Thales mais a fundo é também, por assim dizer, o ampliar de uma visão idealista acerca do autor. Para tanto, faz-se necessária a coragem de se entender e se reconhecer que a obra de Thales Castanho de Andrade – se ingênua sob certo aspecto – nada tem de superficial, instintiva ou apenas meramente infantil. Suas atividades literárias, pedagógicas e políticas andaram sempre lado a lado, se entrecruzando, se interpenetrando e se construindo como unidade a serviço de ideais e ideologias mais dilatadas do que a prática e cultivo do fazer estético-artístico.

Sua obra, por fim – que tão bem salienta a dicotomia campo e cidade –, configura-se amplamente dicotômica e dialógica, tendo raízes fincadas em movimentos políticos ocorridos no interior paulista da primeira metade do século XX e que podem e devem – a partir da obra de Thales – ser melhor estudados e compreendidos.

*Alexandre Bragion e Josiane Maria de Souza, doutores em Literatura pelo Programa de Teoria e História Literária da Unicamp

[texto publicado, originalmente, no caderno especial produzido pelo jornal “A Tribuna Piracicabana”, em comemoração aos 130 anos de nascimento do escritor piracicabano Thales Castanho de Andrade – considerado o pioneiro da literatura infanto-juvenil brasileira]

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