Contribuição para a história do jornalismo piracicabano (1874-1930) (parte 2)

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(imagem de Rudy and Peter Skitterians, por Pixabay)

Na linha oposta aos jornais atrás citados, está O JORNAL DO POVO, de Joaquim Luiz, o Titico, monarquista e conservador, do qual a biblioteca tem apenas o número 298, de 02 de dezembro de 1892. Fundado em 1882, era um jornal diário de maior formato e estava, ao que diz esse número, em seu terceiro ano de existência. Joaquim Luiz, segundo a tradição, era um jornalista venal e brigão, sendo conhecidas inúmeras de suas histórias. Do seu reacionarismo, uma amostra é o que escreveu no Almanaque de Piracicaba em 1900 sobre o carnaval: se hoje não temos mais esse divertimento, é que trocaram pelo carnaval político contínuo, e que vigora desde o dia 15 de novembro de 1889. (7)

O JORNAL DO POVO traz várias informações interessantes: a convocação para integralização do capital do Banco de Piracicaba, o surgimento da Empresa Telefônica, e um programa de zarzuelas no Teatro Estevam, onde havia um café e um restaurante. (8)

Em suas páginas começam a se tornar frequentes as referências à presença de italianos no comércio local: a alfaiataria de Miguel Mancini, um dos líderes da colônia italiana, no Largo da Matriz; a Loja dos Camponeses, de Leopoldo Lagreca, na rua Prudente de Morais, junto à Farmácia Salvadora onde tudo é barateza e não ciganagem; a Loja da Luz, de Luiz Paschoal, outro italiano, na rua do Comércio canto da rua da Quitanda.

Esse Lagreca vai se tornar um dos principais líderes da colônia e vice-consul da Itália em Piracicaba. Seu irmão, Pedro Paulo Lagreca, era um dos maiores capitalistas da cidade e o único italiano a figurar na lista dos capitalistas que como tais pagavam imposto (9). São ancestrais do poeta e tribuno Francisco Lagreca, uma das grandes figuras da história intelectual da cidade.

Dos registros de Escobar emergem duas figuras expressivas, Francesco e Alexandre Siciliano. Francesco teria sido um dos primeiros italianos a imigrar, em 1868, para São Paulo (10). Alexandre veio um pouco depois quando Francesco era já um próspero comerciante, dono da Loja da Gaiola, no Largo São Benedito. Francesco e Alexandre viveram em Piracicaba “i primi anni della sua giovenezza” (11). Eram abolicionistas fervorosos. Em sua casa encontravam abrigo, conta Picarollo, os escravos fugidos dos latifundiários da região (12). Ajudavam-nos tanto na fuga como para remi-los, quando era o caso. Quando” il abolizionismo era tuttavia considerato quale crime”, diz um dos biógrafos dos Siciliano, “egli ed suo fratello ascriverano a maggiore orgoglio ed soddasfazione strappare della mani dal brutale patrone lo schiavo che accoglievano sotto il loro teto”. (13)

Em minha monografia procuro recordar a carreira desses dois imigrantes, um dos quais se tornou o Conde Siciliano, um dos maiores industriais de São Paulo, no primeiro quartel do século XX, enquanto Francesco se associa com Conrado Engelberg, que inventara em Piracicaba a primeira máquina brasileira de beneficiar café, cuja fabricação transferem, mais tarde, para São Paulo (14).

Outros jornais circularam em Piracicaba em fins do século XIX. Em especial a GAZETA DE PIRACPCABA, da qual não existem na biblioteca exemplares, fundada em 12 de junho de 1892 por Vitaliano Ferraz do Amaral, como bi-semanário, que passou, a partir de 1o de janeiro de 1893, a diário. Encontrei, por acaso, nos porões da velha Prefeitura, um casarão também destruído pela insensibilidade dos administradores municipais, uma coleção completa desse jornal desde o seu primeiro número, que fiz encadernar, entregando-a aos cuidados zelosos de Leandro Guerrini.

A sobrevivência da GAZETA DE PIRACICABA, por cerca de cinquenta anos e a do JORNAL DE PIRACICABA, que caminha para o seu centenário, sugere um estudo sobre as razões que permitiram o seu surgimento como diários e a sua sobrevida por tantos anos. Em um recente trabalho sobre a vida intelectual de Belo Horizonte, Humberto Werneck estranha as dificuldades dos jornais mineiros que surgiam e morriam, apesar da existência de tantos brilhantes escritores e poetas em Minas Gerais, o que torna, a meu ver, ainda mais surpreendente o caso de Piracicaba (15).

(continua)

Para conhecer o texto completo, acompanhe a TAG Jornalismo Piracicabano.

Referências:

(7) Esse jornal publicou em 1894 o Almanaque do Jornal do Povo, do qual dr. Jacob Diehl Neto possuía um exemplara. Que fim levou. Mário Neme reproduziu um de seus artigos em seu Piracicaba Documentário 1936.

(8) O Teatro Santo Estevam foi criminosamente derrubado por um dos prefeitos da cidade, em condições suspeitas, privando a cidade de um de seus edifícios históricos. Nesse teatro nasceu, em 1925, fundada por Fabiano Lozano, a Sociedade de Cultura Artística, a mais antiga do Brasil, segundo o crítico de arte carioca Renzo Massarani (Jornal de Piracicaba, 11-8-1973). A Cultura Artística realizou, ao longo de sua vida, mais de centena de saraus musicais, trazendo a Piracicaba os grandes nomes da arte brasileira, educando toda uma geração piracicabana

(9) Almanaque de Piracicaba 1980, pag. 193.

(10) Franco Cerni, Italianos em São Paulo, ed. Liv. Martins, 1958.

(11) Album de Piracicaba, 1915, editado por J. Rosario Losso.

(12) Antonio Picarollo, L’Imigrazione italiana nello Stato di San Paolo, Magalhães, 1911, SP.

(13) Antonio Picarollo, Desenvolvimento Industrial de São Paulo, 1918, S.P. ed. Pocai.

(14) Os pesquisadores americanos Thomaz Hoolloway e Warren Dean informaram que Conrado Engelberg era de São Paulo. Alice Piffer Canabrava diz igualmente que Engelberg era de Campinas (Thomaz Hoolloway Imigrants on the Land; e Warren Dean Industrialização de São Paulo 1880 – 1945; e Alice Piffer Canabrava artigo no Estado de São Paulo sob o título Máquinas Agrícolas). O Almanaque de Piracicaba 1900 registra de maneira irrefutável a primeira demonstração dessa máquina de Engelberg em 1884, em Piracicaba, na rua Municipal, atrás do Mercado. Em 1888 o invento de Engelberg sob a denominação Engelberg Coffee Huller, começou a ser fabricado em Syracuse, nos EE.UU.

(15) Humberto Werneck, O desatino da rapaziada, Cia. das Letras, 1993.

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