Imprensa piracicabana no século XIX (1)

Este artigo, aqui dividido em capítulos, recupera parcela inicial da tese de doutorado do autor, defendida em 1998, no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo. O texto aborda as origens da imprensa na cidade de Piracicaba no século XIX, apresentando os principais jornais e ações ocorridas naquele período.

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Foto: Ilustrativa/Pixabay

 Os antecedentes da história da imprensa em Piracicaba remontam aos dias entre 8 de março a 18 de abril de 1823. Naquela ocasião, uma série de cinco pasquins, manuscritos, apócrifos, foram distribuídos de mão em mão, denunciando a luta de cidadãos comuns contra as forças políticas da então Vila Nova da Constituição, nome que se dava à cidade naqueles tempos, para a ampliação da rua Boa Vista – atualmente denominada Alferes José Caetano – entre a rua do Concelho – atualmente Rua Prudente de Moraes – até o salto do Rio Piracicaba.

Esta série, que teria originado o primeiro crime de imprensa na cidade, está atualmente sob a guarda do arquivo do Fórum “Francisco Morato”. A série teve o seguinte desenvolvimento: o primeiro número tinha como título “Quem defende a tramitação da Rua da Boa Vista”; o segundo pasquim dizia “Quem tem chamado o Brandão de pichorreiro”; o terceiro pasquim afirmava “Por causa de que papéis foram o Brandão e o Teles a Itu”; no quarto número a polêmica prosseguia sob o título “Para o lado de quem os dois ferreiros abriram princípio de rua” e no quinto e último exemplar, publicava-se o “Hino ao Pichorreiro e aos Dois Ferreiros”. 1

Este quinto exemplar do pasquim tem sido objeto de diversas considerações na imprensa local, como o principal antecedente sobre a história da imprensa na cidade. Naquela edição o “Hino ao Pichorreiro e aos Dois Ferreiros”, era composto por vinte e uma quadrinhas, entre as quais um estribilho que se repetia por sete vezes durante o hino / provocação.

Tem-se ampla informação de que, por conta das calorosas discussões para a promulgação da primeira Constituição do Brasil, especialmente na cidade do Rio de Janeiro e em algumas capitais, os pasquins, como objeto de comunicação, denúncia, esclarecimento ou debate apaixonado, eram mais frequentes e assíduos. Mas, como lembra Perecin,

“… no Vale Médio do Tietê, o fenômeno é raro”. (PERECIN, M.T.G, idem nota 1, pag. 138).

A edição desta série acabou se configurando no primeiro crime de imprensa de Piracicaba, com a abertura de um inquérito no mês de abril de 1823, ordenada pelo então Juiz Ordinário, José Manuel Bueno, que teve um despacho positivo do Ouvidor pela Lei Bento Paes de Barros, de 11 de abril de 1823, tendo sido convidadas a depor trinta e seis testemunhas, cujos nomes e depoimentos constam no processo original.

Os versos desta quinta edição, disponível para consulta, na visão de Perecin,

“eram versos mal redigidos e deselegantes… evocando um momento onde a tônica dominante era dada pela primeira Constituinte, em tumultuado processo de elaboração daquela que deveria ser a primeira Carta Magna do país… os versos deste último e único exemplar conhecido denotam os ingredientes básicos de todo pasquim, a inconformidade perante uma determinada situação ou conjuntura política, induzida ao protesto picaresco, a irreverência, a comunicação se processando em exageros de linguagem descabida, carregada de erros grosseiros do idioma e da gramática, veiculando intimidação e ameaças veladas ou declaradas.” (PERECIN, M.T.G, idem nota 1, pags. 137/138)

O último pasquim da série apareceu especialmente numa taverna localizada na praça central, denominada “Venda do Fogo”, local onde paravam os tropeiros e ponto de encontro para grandes conversas e beberagens.

Os pasquins foram escritos, segundo se supõe, por militantes do Partido dos 40 Coligados, políticos de origem absolutista, que compunham a oposição na Câmara Municipal da época e se contrapunham ferozmente aos liberais. Os “40 Coligados” tinham sido derrotados nas eleições de 1822 e nos versos endereçados aos populares que pleiteavam o prolongamento da Rua Boa Vista, manifestam sua irritação pela iniciativa vinda de pessoas simples do povo. Segundo Perecin,

“… eles manifestavam sérios ressentimentos, invocando privilégios de nobreza mais antiga e enraizada, com o crédito de relevantes serviços prestados no passado… Parecia-lhes insuportável a interferência dos liberais em questões plebéias que lhes prejudicavam os interesses materiais.” (PERECIN, M.T.G, idem nota 1, pag. 159)

A iniciativa de solicitar à Câmara de Vereadores o apoio para ampliar a rua – para tanto, rompendo uma cerca feita pelos então proprietários da área – coube a um grupo de cidadãos, profissionais de ofícios comuns, na época, como ferreiros, ceramistas, carpinteiros. Estes cidadãos queriam não só expandir os seus negócios, como construir casas e alargar as fronteiras comerciais da cidade.

(continua em próximo post)

Nota 1

“Desafortunadamente, encontra-se momentaneamente desaparecido o único exemplar, que, por justificadas razões, se constitui numa das peças mais antigas da Imprensa paulista. O seu conteúdo pôde ser resgatado pela edição do Diário de Piracicaba de 01/08/1962, Quarto Caderno, página 1, onde consta o memorável trabalho de Jair Toledo Veiga, intitulado “Crime de Imprensa em Piracicaba de 1823”, bem como partes substanciais do processo, mercê dos apontamentos daquele pesquisador. Outras referências podem ser encontradas em:

  1. Ofício de 15/09/1824 ao Dr. Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, próprio ao Maço A do Arquivo do Estado de São Paulo ou à página 179 da “História da Fundação de Piracicaba”, de Mário Neme, Editora do IHGP, 1974;
  2. Diário de Piracicaba, edição de 09/09/1962, Segundo Caderno, Primeira Página;
  3. “Alfarrábios – Há 165 anos, o primeiro crime de imprensa de Piracicaba” e em “Alfarrábios – Piracicaba, também pioneira na Imprensa Paulista”, publicados respectivamente nas edições de 13 a 17/10/1980 e a 16 a 22/09/1988 de A Província.”

PERECIN, Marly Therezinha Germano, “Os versos ‘chinfrins’ e o crime de ser povo em Piracicaba”, in “Notícia Bibliográfica e Histórica”, Editora PUCCAMP, Campinas/SP, ano XXVIII, número 161, abril/junho de 1996, pg. 139.

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