JIC Mendes, ilustrador (4)

O texto, a seguir, é conteúdo do livro “JIC Mendes, ilustrador – São Paulo e o mundo há 70 anos nos traços de um grande cartunista”, que integra a Coleção de Humor Gráfico da AHA – Associação dos Amigos do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, em parceria com o IHGP – Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba. O livro reúne os trabalhos publicados no jornal “A Noite”, de São Paulo, no final dos anos 40. Conforme nota do editor, as legendas das ilustrações foram transcritas, mantendo-se a grafia original das mesmas.

8 – Nem sempre cabe mais um

Quinta-feira, 25 de setembro de 1947

JIC Mendes 8

– Dá o lugar para a moça, benzinho

O BONDE era o meio de transporte preponderante na São Paulo de 1947, e tema de múltiplas charges do JIC. Era norma de cortesia dar lugar aos mais velhos e às mulheres, diante de quem os rapazes cediam o lugar e viajavam de pé no estribo. Porém, diante do diâmetro da recém-chegada, a solicitação da senhora sentada foi recebida pelos passageiros com uma variedade de expressões faciais: desconfiança, raiva, desaprovação, aflição.

9 – Depende em que se aposta

Sábado, 27 de setembro de 1947

JIC Mendes 9

– Então, o jogo de bicho não está proibido?
– Sim, mas o que êles estão esperando é o resultado das rifas de automóveis…!!!

OS APOSTADORES terão tido dificuldade em entender a lógica da lei, mas o leitor saca na hora a graça da piada – e a crítica certeira. “A Noite” fazia uma cobertura extensa da repressão ao jogo do bicho, que era uma das principais preocupações dos agentes da lei desde que o governo havia proibido todas as formas de jogos de azar em 30 de abril de 1946. A medida repentina fechou os cerca de 70 cassinos em funcionamento em todo o país e obrigou os aproximadamente 40 mil trabalhadores do setor a procurarem outro emprego, às vezes na ilegalidade. É por isso que, nas colunas do vespertino, leitores e redatores reclamavam: “Essa praga não acabará nunca?”, em tom tão indignado quanto premonitório.

 10 – A maçã de Eva

Terça-feira, 30 de setembro de 1947

JIC Mendes 10

A maçã de Eva

O TIO Sam não vira com bons olhos a chamada “Turnê do Arco-Íris” realizada pela primeira-dama argentina Evita Perón na Europa, no Brasil e no Uruguai entre junho e agosto de 1947. O objetivo da viagem fora consolidar sua posição no governo (a participação das mulheres na política era proibida por lei), conhecer as obras sociais de outros países a fim de reproduzi-las na Argentina e fazer propaganda do governo populista de seu marido. A propaganda era tanto mais necessária porque o presidente e coronel do Exército Juan Perón era atacado de um lado pelos meios conservadores que se opunham à sua base de apoio militar e sindicalista e às suas políticas trabalhistas e igualitárias; e do outro pelos esquerdistas que o acusavam de simpatia com o fascismo e denunciavam procedimentos autoritários como a censura dos meios de comunicação e a perseguição e tortura contra os comunistas e outros opositores.

A aceitar em nome do marido o convite do ditador espanhol Francisco Franco para uma visita oficial, a ex-atriz e mutiministra incluiu outros países em seu roteiro para sugerir que o fascismo é algo que se evita. JIC colocou no itinerário dela (reparem nos selos colados na bagagem) Madri, Roma, Lisboa, Paris, Londres e Quitandinha, o gigantesco cassino-hotel de Petrópolis. A viajada primeira-dama oferece ao sr. Mundo uma amostra de suas boas intenções na forma de uma maçã com a etiqueta “AMIZADE ARGENTINA”. E de quebra o chargista ainda faz graça com uma certa história bíblica de maçã, protagonizada por outra Eva…

 (continua)

 Para acompanhar outros capítulos deste livro, acesse a TAG JIC Mendes.

 

Deixe uma resposta