JIC Mendes, ilustrador (6)

O texto, a seguir, é conteúdo do livro “JIC Mendes, ilustrador – São Paulo e o mundo há 70 anos nos traços de um grande cartunista”, que integra a Coleção de Humor Gráfico da AHA – Associação dos Amigos do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, em parceria com o IHGP – Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba. O livro reúne os trabalhos publicados no jornal “A Noite”, de São Paulo, no final dos anos 40. Conforme nota do editor, as legendas das ilustrações foram transcritas, mantendo-se a grafia original das mesmas.

 14 – Quem anda alcança

Sábado, 11 de outubro de 1947

JIC 14

– Como é dura a vida de um pedestre! Preciso arranjar um automóvel sem demora.
 … QUEM ANDA ALCANÇA
Pequenas delícias da vida de um paulistano! Por JIC
 – Puxa! Há mais de uma hora estou procurando um ponto de estacionamento desocupado e nada!!!!

PERANTE a necessidade de apresentar três desenhos por semana, às terças, quintas e sábados (o que representava uma charge dia sim, dia não, já que “A Noite” não circulava aos domingos), o estreante JIC teve um reflexo de profissional velhaco. A ideia, como explicou muitas vezes, era bolar e já deixar prontas charges que chama de “atemporais”, seja cômicas, seja voltadas para um comentário social menos atado às notícias do momento, e aptas a tapar um buraco na hora do sufoco, quando as provas na Escola Politécnica não deixavam tempo para os desenhos.

Um de seus recursos foi a criação de um personagem que nunca chegou a receber um nome e que aparece pela primeira vez nesta charge. É um tipo urbano pé-rapado, sempre de barba malfeita, com um narigão inconfundível, invariavelmente esmolambado e metido nas encrencas próprias à vida da cidade grande. Aqui ele descobre que, apesar de logradouros centrais como o Vale do Anhangabaú e a Praça da Sé serem naquela época imensos estacionamentos, o número já excessivo de automóveis tornava quase impossível a tarefa de estacionar. A história é conduzida por um detalhe a cada quadro: os pés latejantes, a alegria ao volante, o beiço de decepção, o suor que volta a jorrar em bicas.

JIC revelou que usava este personagem sempre que queria fazer um comentário pessoal, de sua iniciativa, na ausência de pauta do jornal. O “Zé-Ninguém” era uma espécie de alter ego seu.

15 – Primavera!

Quinta-feira, 16 de outubro de 1947

JIC 15

O NARIZ do mesmo personagem tornou-se ainda maior por causa de um resfriado numa estação primaveril nada amena, e suas canelas tremem impiedosamente. No original, as letras ganham expressividade por terem sido impressas em vermelho, o que representa a única ocorrência de cor nos desenhos do JIC para “A Noite”.

 16 – Quase sobrou para a pomba

Terça-feira, 28 de outubro de 1947

Jic 16

DIANTE DO facão MADE in URSS que cinde o planeta em dois, a pombinha que carrega a palavra “PAX” tatuada no peito até deixou cair o ramo de oliveira que segurava com as patas. A opinião pública atribuía à ação do governo soviético o recrudescimento das tensões que levou a essa divisão. De fato, a política internacional caminhava para uma bipolaridade cada vez mais marcada: no plano econômico o COMEDON (1949) seria a contrapartida do Plano Marshall (1947), no plano militar a OTAN (1949) teria como reposta o Pacto de Varsóvia (1955).

Comintern era a sigla da Terceira Internacional Comunista, organização criada por Lênin em 1919 para congregar os partidos comunistas do mundo todo. Porém, sob Stalin a Comintern perdeu sua importância até ser extinta em 1943. A Cominform (Oficina de Informação Comunista) foi criada em 1947 para substituí-la, mas não conseguiu tomar o lugar de sua predecessora no imaginário popular.

Se a responsabilidade não era exclusivamente da União Soviética, a cisão era bem real e suas consequências severas. Atento aos fatos da política mundial, JIC nos dá aqui sua versão para o início da Guerra Fria.

 (continua)

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