JIC Mendes, ilustrador (9)

O texto, a seguir, é conteúdo do livro “JIC Mendes, ilustrador – São Paulo e o mundo há 70 anos nos traços de um grande cartunista”, que integra a Coleção de Humor Gráfico da AHA – Associação dos Amigos do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, em parceria com o IHGP – Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba. O livro reúne os trabalhos publicados no jornal “A Noite”, de São Paulo, no final dos anos 40. Conforme nota do editor, as legendas das ilustrações foram transcritas, mantendo-se a grafia original das mesmas.

23 – Da próxima vez, vá de bonde

Terça-feira, 11 de novembro de 1947

JIC MENDES 23

Um problema que a futura Camara Municipal precisa debater-se e depressinha…

AS REMINISCÊNCIAS do bonde são constantes nas histórias do JIC, tanto quanto as charges nas quais ele o retrata com carinho e humor. Ele pegava nas Perdizes o bonde aberto que ia até a Praça do Correio (no Vale do Anhangabaú) e depois outro que subia para o Largo de São Bento e continuava em direção à Zona Norte. Viajava com frequência no estribo, que chegava a ser ocupado por duas fileiras de “pingentes” que se espremiam todos para evitar ser derrubados pelos postes ao passar em ruas estreitas como a Florêncio de Abreu. Mas a tenacidade deles não era nada comparada à agilidade do cobrador (que vemos aqui de costas, com casaco escuro e quepe), que lançava os braços feito um macaco-prego para contornar pelo exterior as camadas de passageiros pendurados e exigir deles o preço da passagem.

Aqui o bonde mostra que ainda resistia (antes de sua desativação em 1968, depois de 96 anos de funcionamento) à alternativa do transporte individual, representado pelo automóvel, mesmo quando este último bloqueava os trilhos sob o efeito de um pneu furado. A assinatura aparece na calota – uma brincadeira que se repetirá em outras ocasiões, nas quais as iniciais do autor aparecem integradas ao desenho.

 24 – Que votação é essa?

JIC Mendes 24

– Ué! Onde é que está a fila pra votar?!?

Sexta-feira, 14 de novembro de 1947

EM DEZEMBRO de 1945, JIC participara como mesário da realização das primeiras eleições do novo regime democrático, nas quais foram escolhidos o presidente da República, o vice-presidente e os deputados federais e senadores constituintes. O processo era confuso e trabalhoso: as cédulas eram distribuídas pelos partidos durante a campanha, o eleitor precisava trazer consigo as cédulas correspondentes a cada cargo, a contagem dos votos e o relatório da apuração eram feitos à mão. Em janeiro de 1947 foram eleitos mais senadores e os governadores, deputados estaduais, prefeitos, vice-prefeitos e vereadores.

Dessa vez, porém, a criação de novas seções eleitorais havia agilizado o procedimento. Por isso nosso conhecido personagem se espanta com a ausência de fila enquanto é recebido com incrível amabilidade.

Para os aficionados dos detalhes, informamos que o cronograma semanal de publicação foi alterado nesta e nas próximas duas charges.

25 – Por que um pode e o outro não?

Quarta-feira, 19 de novembro de 1947

JIC Mendes 25

– Si os “butecos” podem permanecer abertos aos domingos e feriados, porque não dar o mesmo direito aos empórios, com maiores benefícios para o povo?

MAIS UMA charge correspondente a uma campanha de utilidade pública promovida pelo jornal. A legenda, certamente sugerida pela redação, padece de um tom moralista estranho às charges do JIC, que dá seus recados com mais humor e sutileza, deixando à inteligência do leitor a tarefa de completar as entrelinhas e tirar suas conclusões. Em compensação, a ilustração é deliciosa. O bebum à saída do botequim certamente já tomou todas as batidas de “côco, limão, ovo etc.” que constam da lousa, pois bamboleia em estado pior ao de “O Ébrio”, personagem vivido pelo cantor Vicente Celestino no filme homônimo, estrondoso sucesso dirigido por sua mulher Gilda Abreu, que estreara no ano anterior e se tornaria um clássico da cinematografia nacional. O outro freguês, ainda aprumado, carrega no bolso, como não poderia deixar de ser, um exemplar de “A Noite”. A assinatura é uma pichação no muro, embaixo de um boneco de palito.

Esta é a única ilustração do JIC que estava danificada. O traço pontilhado oblíquo que se vê à esquerda é o único vestígio do competente trabalho de restauração feito pelo digitalizador.

(continua)

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