Nos Tempos da Romi-Isetta (2-final)

Esta matéria foi originalmente publicada no jornal impresso “A Província”, na edição de 30 de setembro de 1994.

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Linha de montagem da Romi-Isetta, nas Indústrias Romi.

Ousadia e jogo de interesses

Quando o grupo Romi colocou a Romi-lsetta no mercado, em 1956, sua característica ainda era de produtor de tornos mecânicos e o nome que levava era de Indústria de Máquinas Agrícolas Romi. Já conhecido no mercado exterior, o grupo Romi fora fundado pelo comendador Américo Emilio Romi, em Santa Bárbara D’Oeste, em 1936, tendo seu trabalho tido continuidade através do trabalho e esforço de homens como Carlos, Giordano, Alvares e Romeu. A organização se iniciara como pioneira no Brasil na fabricação de máquinas operatrizes e o constante investimento em especialização de recursos humanos e em tecnologia propiciaram a aventura de se transformar em fabricante do primeiro carro brasileiro.

O lançamento oficial da Romi-lsetta ocorreu no dia 5 de setembro de 1956, em São Paulo, quando os primeiros veículos foram postos à venda no salão de exposições da Companhia Distribuidora Brasileira, em São Paulo, após um desfile de várias unidades pelas ruas da capital paulista. Naquela época, Emílio Romi garantira à imprensa que o objetivo de sua empresa era chegar às 200 unidades mensais até o final daquele ano, passando já a uma produção de 500 unidades mensais em 1957. O objetivo maior, entretanto, era da inauguração da fábrica de motores, que já era edificada também em Santa Bárbara D’Oeste. Com o novo empreendimento, o veículo seria integralmente nacionalizado, abrindo inclusive mercado para outras empresas brasileiras que, à época do lançamento do veículo, já chegavam ao número de 30 no fornecimento de peças para sua montagem.

Os planos entretanto, enfrentaram as disputas da concorrência e os interesses da indústria automobilística que viria a ser especialmente incentivada pelo governo JK. A Romi-lsetta chegou a ter apenas 4 mil unidades produzidas, até o ano de 1961, quando saiu do mercado. Revistas especializadas em automobilismo e motores garantem que o carro foi “sacrificado” pelo Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA), que não o admitiu, oficialmente, “por não ter, no mínimo, duas portas e por não carregar, no mínimo, quatro pessoas”. As articulações para torná-lo inviável envolveram também a CACEX, “que oferecia dólares em leilão para as montadoras estrangeiras a 40,00 e à Romi, a 220,00 ou 320,00”.

Histórias do Brasil, cujos escândalos e incentivos equivocados datam de décadas. Mas que valem ser registradas, não pela morte precoce, mas pela ousadia do que representou a iniciativa de Emílio Romi, aqui mesmo, no interior paulista, ao se transformar no fabricante do primeiro veículo nacional.

Uma opção que parecia prever a crise do petróleo ao encontrar a solução para o baixo consumo do combustível, que anteviu o problema das grandes metrópoles com seus congestionamentos das vias urbanas e até mesmo o rápido empobrecimento da classe média, ao oferecer um carro que atendia a todo um quadro que só se tornaria real décadas depois. Mas aí, já era tarde demais. O próprio país havia destruído um sonho nascido no interior paulista, talvez julgando-o arrojado demais para simples caipiras.

Sonho de um tempo

A Romi-lsetta está diretamente ligada aos sonhos, que eram mais simples, numa época em que a demonstração exterior de riqueza não tinha maior importância. Os sonhos eram simples, por assim dizer ingênuos. E aquele carrinho construído em Santa Bárbara d’Oeste vinha ao encontro da descoberta da simplicidade. “Alô, doçura” era o programa de televisão em que Eval Wilma e John Herbert, casados na vida real, transmitiam ingenuidades da vida a dois. E eram Eva Wilma e John Herbert que promoviam o Romi-lsetta, mostrando-o como um automóvel ”para dois”, prático, fácil de dirigir, econômico. O que aquela geração não sabia, no entanto, era que, com o advento da indústria automobilística no Brasil, os grandes interesses internacionais chegariam com toda força, com todos os apetites.

Quando o Romi-lsetta acabou, massacrado pelos interesses da indústria automobilística, estava chegando, ao fim, também, o sonho. E ninguém percebeu. Quem sabe se, nestes novos tempos – quando o Brasil começa a olhar para o próprio umbigo, redescobrindo, talvez, a sua identidade como nação – não esteja, também, ressurgindo a realidade de que nos afastamos? Nunca, como agora, é tempo de Romi-Isetta.

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