Moqueca capixaba à caipira

moqueca

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Essa reportagem foi publicada em julho de 1988 no semanário impresso A Província. Recuperamos para lembrar os 30 anos de atuação em Piracicaba.

Já acostumada aos humores e requintes dos grandes “chefs de cuisine”, a reportagem de A PROVÍNCIA – o jornal das multidões — aguardou algumas horas até que a tarde de domingo se aproximasse do lusco-fusco. A experiência nos diz: domingo é o dia mais próprio para entrevistar os nossos grandes cozinheiros, que geralmente estão em estado de graça, mas apenas quando a noite desce. Durante o dia, estão eles todos, num ritual sagrado, em torno de seus fogões. E é herético e infiel os que se atrevem a interrompê-los.

Trememos, diante da hipótese de enfrentar o famoso Izael Perina, cozinheiro requintado, agora dedicando-se à sua arte quase que em tempo integral. Imaginamos a cena: Perina com seu cachimbo, aspirando o cheiro de sua comida como se aspirasse os eflúvios de “Chanel 5”. Foi dona Olga que atendeu o telefone:

— O hóme tai, dona Olga? O grande artista pode atender? Ele já terminou o almoço do domingo?

Dona Olga, como toda feliz dona de casa cujo marido é cozinheiro, faz o possível e o impossível para manter a tranquilidade e a serenidade do marido. Falou:

– Ele tá um poco cansado, agora é hora do artista repousar, mas acho que ele pode atender.

Depois de alguns segundos, Izael Perina atendeu, a voz tranquila e serena de quem acabou de compor uma grande obra musical, ou de esculpir o pensamento de Deus.

– “Alon” – a voz era melíflua – “É do jornal Le Monde?”

– Non, Monsieur Periná. Aqui é d’A PROVÍNCIA.

– E ocê acha que eu vou atender um jornaleco com esse nome?

O repórter gelou, usou um truque, arrastou a língua:

– Tá bão, Monsieur Periná. Aqui é do jornal La Provence, tá? Comantalevú?

– Vu tá bão, e vu? – e foi direto ao assunto. – Já sei, ocê qué enchê o saco com receita de cozinha, né? Mais eu num sô pé de chinelo que nem esses “queimadô de panela” que ocê anda entrevistando!

Monsieur Periná, mesmo reticente, fala sobre outro chef, Elpídio Roberti, que faz sucesso com seu puchero:

– O Elpídio é um puta dum home bão, caritativo. Ele andou pedindo pra mim meu chucrute, mais eu tô cortando o barato dele…

MUQUECA CAPIXABA

Izael Perina é famoso por suas peixadas. Dia 12 ele estará fazendo uma “Muqueca Capixaba” num jantar beneficente para a Casa do Bom Menino.

E finalmente o repórter consegue a receita da famosa moqueca capixaba, um segredo profundamente guardado por Monsieur Periná.

A receita é pra 10 pessoas. Primeiro, ocê pega três quilos de peixe. Pintado, que é o que a negadinha mais conhece. Mais compre filé de peixe, que filé num tem espinho. Num pode confundi filé com posta. Daí você dá uma sustada no pêxe.

– Desculpe, messiê, o que quer dizer “sustada”?

– Me disseram que ocê era burro mesmo! Susta qué dizê que ocê frita o pêxe só de leve. Se fritá muito, fica duro. Mai vamo continua.

– Daí ocê prepara o molho. Dois quilo de tomate, 50 gramas de alho, pimenta a gosto, das vermeia e das branca. As branca é a pimenta do reino escorreada, um poco difície acha, mas a gente acha. Daí ocê pega um quilo de cebola, e taca umas 300 grama de molho, deixando o resto pra fazer fatia. Taca tudo no liquidificador como se fosse molho de macarrão. Quando o molho tive pronto, taca tudo na panela. Taca uma camada de peixe, outra de fatia de cebola, otra de pexe, otra de cebola, vai tacando… Quando a cebola tive mole, taca um vidro de leite de coco e o prato tá pronto. Pode comê com arroiz e acompanha vinho branco.

– É só?

Não. Tem também o pirão, que precisa ter arte pra fazer. Faiz um cardo grosso do osso do pexe, ferventa, coa e, com farinha de mandioca crua, cozinha na água. Daí taca coentro e tá pronto o pirão.

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