“In Extremis” (38) – E por falar em saudade…

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(imagem de Free-Photos, por Pixabay)

Sinais dos tempos, eterno retorno? Ou maravilha da natureza em seu interminável e contínuo vir a ser? A verdade, porém – que, sempre, nos foge – está no somatório de tudo isso e do mistério que nos fascina. A cada novo que surge, o ser humano é estremecido em seu porto seguro. É como se lhe surgisse um perigo à vista, um não sei quê. Parece, então, ser quando todos os nossos referenciais afloram, como se querendo ajudar-nos a encontrar ou a rever  caminhos.  Estariam, então, as respostas no antes do novo? O passado explicaria o que está chegando?

Sim. Temos que acreditar e confiar nisso. O passado explica, orienta, fornece pistas. E um de seus nomes é história. E dois outros podem ser chamados de saudade ou, simplesmente, de lembranças. Pois não há quem não os tenha, quem não os viva e reviva. Se mais lucidamente pensássemos, poderíamos admitir sejam lâmpadas que clareiam momentos de trevas, auxílios de advertência para – diante da evolução e revolução dos costumes – tomarmos decisões.

Refleti, ainda mais profundamente, nisso, ao, incidentalmente, ver um programa de televisão num canal alternativo. Zapeando – é assim que se fala quando se procura algo para ver na tevê? – deparei com pessoas que, emocionadamente, falavam de saudade. Eram profissionais de diversas áreas – cineastas, poetas, homens públicos, escritores – dizendo da variada saudade que sentiam. De um doce da avó, de um perfume, de certa música, de uma paisagem… E contavam-no de maneira melancólica.

Ora, acostumei-me – em minhas indagações pessoais – a procurar respostas que, mesmo não seguindo consensos, possam, pelo menos, satisfazer-me intimamente. Nem que sejam paliativas, mesmo porque – na sociedade estupidificada que criamos – as curas d´alma são quase uma utopia. Paliativos têm, pelo menos, a vantagem de continuarmos em busca do melhor. Penso, assim, ter resolvido – para mim mesmo – a ingente aflição da saudade.

Pois, a partir de agora, não mais tenho aquelas suspirantes vontades de outra vez. Dolorosas, doídas, quase sempre amargas. Vontade de outra vez, passarei a tê-la apenas de coisas do cotidiano de infância, de adolescência, por aí. Por exemplo: terei, até o último suspiro, saudade de passear de bonde ao lado de meu pai. De sentir o cheiro – então suave, não acidulado como agora – do rio, quando o bonde atravessava a ponte. Saudade, vontade de, outra vez, comer maria-mole do Bento Chulé. Vontade de saltar do trampolim do antigo Regatas. Saudade, pois, de coisas assim.

Tudo o que ou de quem me tragam saudade – vou transformar em lembranças. Em doces, suaves, confortadoras lembranças. Apenas lembranças. Que me levem a render graças pelo quanto enriqueceram a existência. Lembranças de meus pais, de minha família, de amiguinhos; lembranças da descoberta do amor, da primeira namorada, de serestas apaixonadas, de roubar flor em jardins alheios. Lembranças do primeiro casamento, de tantos sonhos, da lua-de-mel, dos filhos que nasceram, dos netos que vieram, de amizades, de luares inesquecíveis, de cada por-de-sol em horizontes mais límpidos.

Na verdade, na verdade – neste meu crepúsculo – a não ser desimportâncias, nada quero outra vez. Recuso-me a essa saudade de retorno, de vontade de voltar ou de que o passado venha ao meu encontro. Quero, apenas, viver e reviver lembranças de mim, do quanto viver é uma aventura indescritível. Por isso, por falar em saudade, fico, em silêncio, roubando a Neruda sua canção: “Confesso que vivi!” E como tem sido revelador! “Deo gratias”.

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