Ecumenismo: igrejas cristãs e “igrejas de mercado”

No momento em que profundas transformações alcançam a UNIMEP e, também, a Igreja Metodista, consideramos oportuno divulgar a entrevista que o bispo metodista Adriel Maia deu à edição anterior de A Província, então A Província online, quando teceu considerações que se tornam, agora, ainda mais oportunas. Com a decisão da Igreja Metodista, por parte de segmentos carismáticos majoritários, de romper com o ecumenismo em organizações cristãs, o desempenho do Bispo Adriel Maia, na presidência do CONIC(Conselho Nacional de Igrejas Cristãs), foi prejudicado. No entanto, suas observações continuam fundamentais para entender algumas das raízes da crise atual.

A PROVÍNCIA – Quando da criação do CONIC e o por quê? Quais as igrejas que o compõem?

BISPO ADRIEL MAIA -Foi no ano de 1982 na cidade de Porto Alegre (RS). Depois de um período de longa oração e reflexão, compartilhando a fé decidiram criar o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC). É uma Associação fraterna de Igrejas que tem por objetivo: “Servir, sob a ação do Espírito Santo, às Igrejas e a Entidades cristãs no Brasil, na vivência da comunhão em Cristo, para o fortalecimento da consciência e prática ecumênicas, através do diálogo, da defesa da vida, da integridade da criação e da promoção da justiça e paz”. As igrejas que compõem (ano de 2005): Igreja Católica Apostólica Romana – ICAR; Igreja Católica Ortodoxa Siriana do Brasil – ICOSB;Igreja Episcopal Anglicana do Brasil – IAB;Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil – IECLB; Igreja Metodista – IM; Igreja Presbiteriana Unida – IPU; Igreja Cristã Reformada.

P- O que se entende por ecumenismo hoje? Por que as chamadas neopentecostais não são chamadas a participar?

R-O ecumenismo é entendido como o esforço da Igreja para cumprir com fidelidade o mandato Bíblico de Jesus Cristo: “a fim de que todos sejam um {…} para que o mundo creia que tu me enviaste”. Nessa linha de raciocínio, desejamos que a terra seja habitada pela graça de Deus, por meio do testemunho corajoso das Igrejas Cristãs em termos de comunhão, justiça, paz e solidariedade. Os movimentos neopentecostais configurados nas chamadas Igrejas de Mercado são extremamente anti-ecumênicas e os seus valores estão distantes da missão do CONIC. No entanto, o CONIC dentro do seu compromisso ecumênico tem dialogado com os movimentos pentecostais presentes no nosso país há mais de século. Consideramos uma experiência importante, especialmente, uma reflexão com essas Igrejas, sobre a dinâmica da ação do Espírito Santo, bem como experiências canalizadoras do testemunho e serviço.

Na verdade, hoje vivemos as mudanças do quadro sóciopolítico, cultural e religioso do Brasil que desafiam, ao mesmo tempo, as Igrejas do CONIC. A multiplicação das denominações religiosas cristãs e não cristãs, o crescimento rápido dos movimentos pentecostais e carismáticos, fora e dentro das nossas Igrejas, estabelecem novos desafios à unidade do povo cristão e ao movimento ecumênico. O crescimento demográfico e a urbanização massiva da população brasileira, a falta de políticas públicas adequadas tornaram dramática a desigualdade social e incontável o número de miseráveis e famintos no nosso país. Os progressos da ciência e da tecnologia apontam para transformações ainda mais profundas no campo da cultura e dos costumes individuais e sociais. O testemunho de comunhão e uma renovada missão comum são, sem dúvidas, apelos fortes do Espírito às Igrejas que, unidas poderão fazer diferença numa sociedade marcada pelo paradigma da exclusão.

 P- A experiência de Piracicaba – há quase 150 anos na convivência entre católicos e metodistas – pode ser tida como lição ou há, ainda, dificuldades?

R- Não há dúvida é uma bela lição de diálogo, respeito e tolerância. O ecumenismo não descaracteriza a identidade denominacional.O povo piracicacabano sabe muito bem distinguir a identidade metodista e católica. No entanto, o fundamental dentro da prática ecumênica é o trabalho em conjunto que promove a vida e a integração da criação.

Dificuldades têm e muitas, especialmente, dentro de uma conjuntura marcada hoje pela intolerância. Essas dificuldades e esses impasses precisam ser trabalhados com criatividade não perdendo o foco, ou seja, o testemunho coletivo da unidade em Cristo.

 P- Qual a principal questão doutrinária separando as Igrejas histórias cristãs?

R-Essa é uma questão muita abrangente e envolve uma resposta muito longa para dar uma resposta satisfatória. Não terei tempo para responder dentro dessa entrevista. No entanto, atrevo-me a dizer o seguinte: dentro de cada denominação hoje há uma variedade de práticas doutrinárias e, na realidade, comprometendo a unidade interna das Igrejas. Do ponto de vista macro têm muitos impasses, por exemplo, a questão ecumênica ainda causa muito mal estar em muitas denominações, especialmente, envolvendo a Igreja Católica Romana; a questão do Batismo; a questão Eucarística (Santa Ceia), ou seja, em muitas Igrejas a Santa Ceia não é servida para outros irmãos e irmãs fora da denominação; um outro ponto complicado são as questões de costumes (éticas), o reconhecimento dos ministérios, especialmente, os chamados ministérios ordenados. Portanto, essas diferenças não podem comprometer a nossa unidade em Cristo Jesus. Aqui, está o nosso grande desafio!

P- O envolvimento de algumas igrejas pentecostais com a política não é uma contradição entre a busca e a conquista dos “dois reinos” o de Deus, o de César?

R-Pessoalmente, considero que o cidadão ou cidadã pode concorrer aos cargos políticos tendo como vocação servir a causa brasileira, por meio do exercício da política, independentemente, de cor religiosa. Nessa linha de raciocínio os políticos eleitos pelo voto popular têm o compromisso de defender os direitos legítimos do povo brasileiro e não os interesses pessoais ou de suas Igrejas e agremiações. Enquanto Igreja o nosso compromisso primeiro é com Deus e, consequentemente, com a causa da justiça, a fim de que o ser humano possa usufruir uma melhor qualidade de vida. Assim, “Reino de César” precisa ser julgado a partir dos patamares do Reino de Deus. Há, sim, uma contradição quando se usa a política para os interesses pessoais e grupais. Talvez seja a grande tentação de muitas Igrejas que elegem os seus candidatos.

P- Bancadas ditas evangélicas não podem significar uma ameaça ao Estado laico e ao regime republicano?

R-Como eu disse, anteriormente, sou contra qualquer tipo de bancada. No entanto, não vejo “uma ameaça ao Estado laico e ao Regime Republicano”. A questão aqui é ética e moral. O compromisso político tem que ser um compromisso com uma ética libertadora, objetivando construir uma democracia que alcance os marginalizados da nossa terra brasileira. A grande ameaça é a miséria, a corrupção e as desigualdades sociais.

P-Desarmamento é a preocupação nacional. A campanha das igrejas cristãs, através do CONIC, não pode ser vista como interferência religiosa em questões do Estado?

R-Temos que convir que o grande desafio objetivando a construção madura da democracia brasileira é, na verdade, a participação popular e a presença pro-ativa dos movimentos sociais nas grandes questões brasileiras. O programa do desarmamento não é do CONIC e, sim, do Governo Federal, por meio do Ministério da Justiça. Nessa linha, o CONIC entra como parceiro, especialmente, aproveitando dois momentos significativos na pauta nacional e internacional: “Década para superar a Violência” e a Campanha da Fraternidade Ecumênica-2005 que tem como tema: “Solidariedade e Paz” à luz do lema: “Felizes os que promovem a paz”. Não há interferência em questões do Estado. Estamos juntos numa questão que é da mais alta importância superar a violência. Nessa perspectiva, as igrejas têm uma excelente contribuição a ser dada: construir uma cultura de paz. Solidariedade requer redes e a paz não é construção individual, nem um projeto exclusivo das Igrejas. Por isso, o objetivo da Campanha da Fraternidade Ecumênica-2005 sinaliza: “unir Igrejas cristãs e pessoas de boa vontade na superação da violência, promovendo a solidariedade e a construção de uma cultura de paz”. Por fim, é bom ressaltar o seguinte: compete ao Estado promover a segurança do cidadão e da cidadã, bem como desarmar os bandidos.

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