O nosso “Príncipe dos Poetas”

Lino Vitti, aos 86 anos, ainda se considera fundamentalmente um poeta. “Poesia não é só escrever quadrinhas, mas transmitir o que vai dentro da pessoa de forma elevada”, define. Por isso, ele se orgulha do título de “Príncipe dos Poetas Piracicabanos” e enxerga a vida com olhos poéticos e ao mesmo tempo rígidos. Tem saudade dos tempos da infância, de uma Santana, distrito que acolheu os tiroleses em Piracicaba, que não existe mais. Também acha que a educação daqueles tempos é que preparava as pessoas. Mas, apesar de ser saudosista assumido, não despreza meios de comunicação atuais como a internet. No amplo sobrado em que vive com Dorairtes, companheira de 57 anos que lhe deu sete filhos, há espaço reservado para o computador. E nessa entrevista exclusiva para A PROVÍNCIA, abre o coração e conta o que vale a pena e o que choca no mundo de hoje.

A PROVÍNCIA – Vale a pena ser poeta?

Lino Vitti – Penso que vale a pena, e muito. A prova são os sete livros de minha lavra. O primeiro, “Abre-te Sésamo”, publiquei quando ainda era moço. O segundo foi “Alma Desnuda”, nos anos 80, numa edição da Prefeitura, com capa do Edson Rontani e ilustrações de Fabíola, minha filha. Depois vieram “Sinfonia Poética”, em parceria com Frei Timóteo de Porangaba; “Piracicaba, minha terra”, um manual poético com base num livro de História de meu mano Guilherme; “Sonetos mais amados”; “Plantando Contos e Colhendo Rimas”, e o último, publicado em 2001, “Antes que as estrelas brilhem”.

P – O que representa para o senhor o título de “Príncipe dos Poetas Piracicabanos?”

R – Ah, isso me dá o maior orgulho! Recebi esse título da Academia Piracicabana de Letras em 1978 e para mim representa uma compensação para meus longos e numerosos anos dedicados à poesia.

P – Quando o senhor começou com a poesia?

R- Foi aos 15 anos, quando era seminarista, no Seminário Santa Cruz, em Rio Claro. Lá era proibido praticar poesia, pensar, redigir ou tudo que estivesse relacionado a ela. Só que em certa ocasião apareceu um clérigo de outra congregação, chamado Antonio dos Santos, e que era poeta. Ficou para mim essa divisão entre teologia e poesia. Escondido dos outros padres, aprendi todas as técnicas da poesia.

P- Foi isso que fez o senhor desistir do seminário?

R – Na verdade eles me mandaram embora. Eu conto esse fato em meu último livro num conto chamado “Rebelião de Instintos”. Lembro que no pátio do seminário havia uma figueira e ali, certa noite, uma folha despencou do alto. Um colega meu passou na minha frente e eu disse para ele que estava me sentindo, no seminário, como aquela folha. Acontece que o padre que tomava conta da gente ouviu e foi o que bastou para chamar meu pai e pedir que eu saísse de lá pois não tinha certeza de minha vocação.

P – O senhor se arrepende de ter desistido ou se arrepende de ter passado um tempo lá?

R – Nem uma coisa nem outra. Eu realmente não tinha vocação para sacerdote, mas devo aos padres tudo quanto aprendi, tudo quanto é cultura. Eles formam homens.

P – Como era a formação de um jovem naquele tempo?

R – Era uma formação a mais ampla possível. Eu aprendi latim, francês, italiano, e tive noções de grego.

P- E a disciplina, como era?

R – Era rígida a ponto de um seminarista não poder tocar o outro colega com as mãos.

P – Tanta rigidez não teria um lado positivo e um negativo?

R- De jeito nenhum. A rigidez só tem lado positivo, você tem de ser rígido em tudo.

P – Essa rigidez estaria em falta na educação de hoje?

R – Penso que sim. Acho que hoje a educação está muito diferente e liberada, acho que no fundo os jovens sentem falta de mais rigidez.

P – Como ex-seminarista, o que acha da Igreja Católica atual?

R – Ela acompanhou muita coisa, mas em algumas se manteve, o que tem de ser. Acontece que as pessoas que se dizem mais liberais não querem aceitar que há coisas imutáveis na alma humana. Ela não pode admitir o pecado, o divórcio, o homossexualismo, e isso estava implícito naquela regra do seminário em que os meninos não podiam se tocar de forma alguma. Uma vez eu cheguei a receber um castigo, tive de ficar ajoelhado um tempão, só porque bati nas costas de um colega.

P – Mas a Igreja não precisa se modernizar?

R- Pra que? Ela não tem obrigação de fazer isso, sua obrigação é com a crença, com o sagrado. Quem tem de se adaptar a ela é o fiel, ele é que tem de seguir o que a Igreja determina.

P- O que o senhor acha das críticas de que a Igreja Católica está perdendo muitos fiéis por ser imutável?

R- Essas críticas são improcedentes. A Igreja não visa coisas materiais, ela visa o lado espiritual. Ela não tem de aceitar o divórcio, ela tem de manter o casamento.

P – Por falar nisso, há quantos anos o senhor mantém seu casamento?

R – Estou casado com Dorairtes, que é professora aposentada, há 57 anos. Temos 7 filhos, 6 moças e um rapaz, 15 netos e uma bisneta. Realmente é um vínculo indissolúvel.

P – Voltando à poesia, o que é preciso para ser um bom poeta?

R – Em princípio, a poesia é um dom natural, ela está dentro do homem ou da mulher e pode se manifestar em qualquer lugar. Mas eu penso que a poesia não é apenas escrever quadrinhas ou estrofes que tenham métrica, sejam rimadas ou em versos livres. A poesia é uma maneira de transmitir o que está dentro da pessoa de uma maneira elevada, de uma forma incomum. O bom poeta deve ser, acima de tudo, um observador profundo da natureza humana.

P – O que a modernidade traz de bom e de ruim para o homem?

R – A modernidade trouxe coisas ótimas como as inovações científicas, as novas manifestações culturais, a produção de livros maravilhosos, novas práticas esportivas, além de toda uma vontade de ajudar o próximo e encontrar a felicidade. Este é o lado da modernidade excelente. Por outro lado, a modernidade tem seu lado negativo quando ela se entrega ao abuso do sexo, do crime, da moral, da justiça e, até, ao abuso do amor.

P – O que choca o senhor hoje em dia?

R- Essas coisas que acabei de falar me entristecem. O que me choca é a política. Porque, em vez de cumprir aquilo pelo qual foram eleitos, os ilustres representantes da política nacional aproveitam-se de seu mandato para abusar do povo, esquecendo das benfeitoras que ele merece e transformando a política numa sinecura pessoal.

P – Em Piracicaba isso também está acontecendo?

R- Eu trabalhei 38 anos no meio dos políticos piracicabanos. Eu era diretor executivo da Câmara dos Vereadores. Por isso, cabe a mim, por uma questão de justiça, exclui-los das minhas idéias a respeito dos políticos brasileiros atuais. Foram centenas que passaram pelas minhas mãos e sempre vi neles as melhores das intenções e dos propósitos para com a comunidade.

P – E a crise política atual, vai acabar em pizza?

R- Com o passar dos dias, as coisas vão se transformando, vai-se reclamando menos, as notícias sobre os escândalos vão diminuindo de tamanho… Então chega a pizza.

P – E o escândalo do futebol? Piracicaba foi o centro da máfia do apito…

R- Sempre fui torcedor do XV, acompanhei os jogos por 30 ou 40 anos. O XV era uma sumidade no futebol, trazia alegria para a torcida e divulgava o nome da cidade. Na parte estadual, torço pelo Palmeiras por causa das minhas raízes italianas. Esse tipo de coisa creio que sempre existiu. Eu sempre desconfiei dos juízes de futebol, eles sempre deixaram dúvidas a respeito de suas verdadeiras intenções. Para mim, esses fatos só vieram a confirmar as minhas suspeitas.

P – E o que Piracicaba representa para o senhor?

R – Ah, Piracicaba é meu berço, e berço a gente não discute, a gente ama. Sei que hoje a cidade tem muitos problemas, como a violência e a falta de policiamento, mas isso existe em todo lugar.

P – E Santana deve ter um lugar especial nesse amor…

R- Claro. Nasci em Santana no dia 16 de janeiro de 1920 e lá aprendi tudo o que sei. Vivi uma vida campestre, no meio da mata virgem, no meio das lavouras de milho e dos cafezais. Armava arapuca para passarinho, pescava peixe no rio, colhia maracujá na capoeira. Tudo isso desapareceu e em seu lugar colocaram canaviais que acabaram com as matas, os pássaros, os bichos, as frutas, os peixes… É triste para mim, que sou poeta, ver como Santana perdeu a poesia!

*Ronaldo Victoria é redator do Jornal de Piracicaba. Esta entrevista é de sua autoria quando editor de A Província online. Está republicada para constar dos arquivos de A Província.com.

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