A Bola

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Dizem que Deus é brasileiro. Talvez porque goste de bola. A sua mais fascinante obra – o universo – está repleto delas. A Terra deve ser a mais bela. É azul. Além disso, essas bolas flutuam no espaço e orbitam em torno de outra maior, o sol. Não é fantástico? Esse sistema faz parte de uma galáxia, das quais existem milhares espaço afora. Como não bastasse, Ele também joga bola. Por detrás dos montes pratica embaixadas. Então – como disse alguém – todos os dias Ele chuta o sol, que cruza os céus da arena Terra reerguendo vidas e levando com igual intensidade luz, da mais imponente mansão ao mais humilde casebre. No entardecer Ele chuta a lua para alumiar nossa noite.

Chego apensar que onde tem bola rolando Deus está no meio, ou gostaria de estar. Bola faz milagres. Uma só é suficiente para entreter dezenas de crianças e adolescentes por horas a fio. Bola forma o caráter; disciplina melhor que professor. Impõe limites e regras, profissionaliza. Educa para ganhar e perder. Bola é democracia, companheirismo, respeito, colaboração, empatia; mata o individualismo. Os melhores jogadores vêm da pobreza porque trazem coletivo na alma e gana no sangue. Rico é bom em esportes individuais, já que o dinheiro lhe traz a ilusória sensação de autosuficiência.

A bola já interrompeu guerras. O antigo Congo Belga, atual República Democrática do Congo, vivia em 1967 uma sangrenta guerra civil. Assim que a delegação do Santos de Pelé chegou ao país, onde disputaria uma partida amistosa, os dirigentes foram informados do conflito e o conseqüente cancelamento do jogo. A notícia de que a população não poderia ver o rei do futebol jogar causou uma grande comoção no país, inclusive entre as partes em luta. Então os conflitantes entraram num acordo e a guerra parou para que o jogo fosse realizado. O Santos realizou duas partidas na região e a paz reinou naqueles dias. Nenhum tiro foi disparado. Assim que a delegação, escoltada até o aeroporto, deixou o país, a guerra recomeçou. O acontecimento entrou para a história como o dia em que Pelé e o Santos pararam uma guerra na África. Também em 2004 o Haiti teve um momento de paz para ver o amistoso entre a seleção brasileira e a seleção haitiana.

Em vez de exércitos, times. No lugar de armas, bolas. Gestor público inteligente sabe da força do esporte e das atividades lúdicas na construção de uma sociedade fraterna e saudável. Por isso, em vez de mais policiais, contrata professores de Educação Física. Em vez de hospitais para cuidar de doentes, constrói piscinas nos bairros para que a população pratique exercícios, desenvolva bons hábitos e não adoeça. No lugar de mais unidades da falida Fundação CASA ergue centros poliesportivos e os equipa com material em grande quantidade; contrata profissionais das mais diversas modalidades a fim de despertar e desenvolver os talentos de crianças, adolescentes e jovens largados na periferia e levar entretenimento aos adultos, idosos e deficientes trancados em casa. Não adianta construir presídios – como faz esse governador tapado e arrogante que temos. Nem armar a polícia, comprar viaturas e formar pelotões de elite para matar jovens pobres, pretos e excluídos como faz a polícia brasileira. O que faz uma cidade melhor são as relações entre as pessoas. Isso acontece nas praças esportivas, nas festas, nos momento de lazer e de encontro.

Porém, depois que governantes e empresários puseram as mãos no esporte, interesses políticos e econômicos passaram a mover Olimpíadas, Copas, campeonatos, etc. Atletas viraram mercenários e perdeu-se a original pureza do desporto. Assim como aqui, em vez de investir na base contratam ‘atletas’ de fora a fim de defender a cidade em Jogos Abertos, Regionais, de Idosos, etc. com objetivo de promover a cidade, seu governante e seus mandarins. Coisa de gente pilantra.

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