A intervenção americana na Síria e reação da Rússia

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_95495541_c035a343-f2cc-441b-a2ab-82a464e9d60eO recente bombardeio americano na Síria, supostamente para “dar uma lição” no ditador sírio Assad, serviu na verdade para que Trump pudesse explicitar a sua primeira e efetiva demonstração de força, passando por cima de tudo e de todos, demonstrando quão relativo é o tão propalado respeito (interno) pelas leis democráticas na terra do Tio Sam. Até agora, Trump tinha colecionado derrotas nas suas tentativas de cumprir as promessas eleitorais, tanto no que diz respeito à construção do muro quanto na bravata de impedir os cidadãos de “países inimigos” de pisarem em solo americano.

            Ninguém pode negar que o presidente americano é do tipo de politico que cumpre as promessas, o que é efetivamente uma raridade. No entanto, é preciso lembrar que Hitler também cumpriu o que prometera no seu malfadado livro. Não basta, portanto, apenas cumprir promessas, é preciso que as ideias de um político, de esquerda ou de direita, sejam sempre pautadas pelo respeito aos direitos dos outros, por mais “diferentes” e “hostis” que possam parecer aos olhos de quem pretende ocupar um cargo governamental. No caso de Trump, para o bem da humanidade, é bom mesmo que ele seja impedido de cumpri-las pelas instituições que têm o dever de controlar os seus ímpetos destruidores e xenófobos.

            As reações da Rússia e do Irã já eram esperadas e não causaram surpresa. Toda ação americana, comandada por um presidente democrático e progressista ou não, é sempre condenada pelos seus antagonistas. Surpreende, porém, a ingenuidade da Rússia e, sobretudo, de Putin, que supostamente favoreceu a eleição de Trump e agora deve estar se sentindo traído.

            Deixando de lado a reação do Irã no caso, costumeira e pouco relevante, importa analisar o papel da Rússia neste e em outros conflitos que ganharam dimensões planetárias. Desde o final da Segunda Guerra, os Estados Unidos se tornaram a “polícia do mundo”, para evitar que o comunismo, regime totalitário, pudesse estender o seu domínio em regiões consideradas estratégicas. Na verdade, a disputa com a ex-União Soviética começou logo após a derrocada do nazismo e a ocupação da Alemanha. As duas potências submeteram uma nação à humilhante divisão em dois países separados por um vergonhoso muro. Depois, só para refrescar a nossa memória, vieram as divisões igualmente problemáticas (até hoje) da Coreia, a quase deflagração de uma terceira guerra mundial por causa de Cuba, todos os problemas decorrentes da criação de Israel, nunca plenamente aceito pelos palestinos, a Guerra do Vietnã e o Afeganistão.

            Com o fim da Guerra Fria, não cessaram inteiramente as tensões e a Rússia, herdeira de um território extenso, maior do que o dos Estados Unidos, Canadá, China ou Brasil, aderiu ao capitalismo, mas não se tornou automaticamente filo-americana. Quando os seus interesses são contrariados, costuma demonstrar indignação e aplica lições implacáveis em seus inimigos. Assim como os Estados Unidos não admitem intervenções em seu próprio quintal (basta que nos lembremos de Cuba como exemplo máximo), a Rússia também não permitiu que lhe ditassem regras na condução da luta contra os rebeldes da Ucrânia ou da Chechênia.

            Na realidade, a Guerra Fria ainda continua, mas por meios diferentes e entre dois países que podem eventualmente ter os mesmos interesses. A maioria dos americanos escolheu recentemente um presidente que quer dar demonstrações de força, prometendo que os americanos continuarão sendo os vigias do mundo e, se possível, com ainda mais força. Putin, o homem forte da Rússia, também promete aos seus cidadãos uma forma de hegemonia que lembre a da antiga União Soviética, mas sem o comunismo e sem a aventura de tentar expandir pelo mundo as ideias comunistas.

            A decadência da França como império colonial teve início quando Napoleão Bonaparte perdeu a guerra para os ingleses. Em seguida, os súditos da rainha criaram o maior império colonial do século XIX e início do XX, que só começou a decair após a segunda guerra com a ascensão dos americanos. Como se vê, a preponderância de um império ou de outro está sempre relacionada às vitórias militares. Em tempos de paz, ao menos de paz relativa entre as chamadas “potências econômicas”, a guerra precisa continuar de maneira indireta, com intervenções opostas em países distantes.

            Não sejamos ingênuos: se não destruirmos de uma vez por todas a mentalidade do “direito do mais forte” nas relações entre os países e entre as pessoas comuns, nunca haverá uma verdadeira paz. Para tanto, não basta um discurso pacifista que muitas vezes soa fraco e retórico. É preciso que as próximas gerações de jovens aprendam a não mais exaltar a força física e a prepotência do mais forte nas disputas e nos debates. A julgar, porém, pelo culto exacerbado do corpo perfeito, pela popularidade que as lutas mais violentas têm justamente entre os jovens, dos dois sexos, além do sucesso desfrutado por seriados destituídos de valor cultural e repletos de sangue e horror, não há como ser otimista e esperançoso.

 

*Sérgio Mauro é professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.

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