A Nuvem

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nuvem outono

Foto: Reprodução Google

Céu de outono. Limpo, e o azul profundo me fascina. Mas, lá está ela, a nuvem. Branca, leve, mas estática e sozinha. Não sai do lugar. Não é grande, também não tão pequena. Da janela do quarto posso vê-la. Da porta também. Saio na rua lá está ela. Nem à noite desaparece.

Certamente não sabe que sei dela, que olho para ela. Aliás, penso que nem imagina que existo. Queria chamar sua atenção a fim de que olhasse para mim, contudo parece totalmente alheia. Na verdade, queria falar com ela.

Tive uma idéia. Soltei um rojão, daquele que a vareta sobe e explode lá em cima. Não é que ela olhou para baixo, assustada, mas olhou. Acenei com as mãos e gritei:

“Oi nuvem. Você me segue há tanto tempo. Tem alguma coisa a me dizer? Ops! Perdoe minha intromissão. Você está a fim de conversar comigo?”

Ele deu de ombros e respondeu:

“Não vejo motivo. Não sei o quê temos para conversar”.

“Desculpe” – disse – “gostaria de saber o que pensa de mim, já que está sempre sobre minha cabeça me seguindo dia e noite como se tivesse alguma coisa a me dizer”.

“Nem sabia de sua existência. Como poderia estar seguindo você?”, respondeu.

Não falei? Fiquei sem graça e sem saber onde botar a cara. Mas ela, coçando a cabeça e depois o queixo, retomou a conversa.

“Ah, então é isso. Descobri porque não posso vagar pelo espaço sem fim. É você que me segura. Você não tem o que fazer?”

“Sim” – respondi – “todavia você me tira a concentração. Estou me sentindo vigiado. Estou preocupado. Quem gosta de ser seguido? Além do mais, o azul do céu é que me atrai e fascina, mas você está sempre tapando minha visão.”

“Preocupado?” – disse. “Talvez seja isso. Virei sua pré-ocupação. Isso confirma o que já lhe falei: você é que me prende. Disse-me que o que o atrai é o azul profundo, mas me coloca como empecilho para não se arriscar. O preocupado é um sabotador de si próprio, sabia? Ocupa-se com o que não existe. Gosto de uma frase que um de vocês – Hedy Silvado – criou: “A preocupação é como cadeira de balanço: mantém você ocupado, porém não o leva a lugar algum”.”.

Fiquei sem resposta. Entendi tudinho o que falou a nuvem. O problema era aceitar. Para não ficar feio, quis sair por cima e lhe disse:

“Por isso, não. Vá. Você está livre. Pode dar quantas voltas quiser em torno do planeta azul”.

“Livre, eu? Sempre fui”. Respondeu ela. “Na verdade você é quem se libertou de um fardo por você mesmo criado. Tchau, então”.

“Posso saber seu nome?” Indaguei.

“Meu nome é Preocupação. Só existo na cabeça de quem me prende. Mas, não gosto do nome, porque isso é coisa de vocês. Mas, sempre serve para alguma coisa”.

Então ela se foi. E o azul profundo, sereno e intenso do firmamento se abriu diante de mim.

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