Abrigos
Os textos de diferentes autores publicados nesta seção não traduzem, necessariamente, a opinião do site. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
Notícias sobre problemas com crianças e adolescentes abrigados deixam-me com o coração apertado. Trabalhei como assistente social nesse campo por mais de quinze anos e senti na pele o drama. Coloco-me no lugar da diretoria, geralmente pessoas com elevado grau de altruísmo, que deixam sua zona de conforto para fazer algo aos mais sofridos. Acontece que depois que entram não conseguem sair por terem pela causa se envolvido; pelos sólidos e gratificantes laços afetivos e funcionais que criaram ou por não achar substitutos do mesmo quilate. Aquele fuzuê que acontece na Festa das Nações – dizem juntar de sete mil voluntários – acaba ali. A maioria dos que ajudam na festa o faz por ser divertido, por ter lugar garantido, porque dá visibilidade ou porque ajudar os outros alisa o ego. Para carregar o piano do dia-dia é preciso procurar com lupa; exceto quando se busca projeção social ou política.
Fosse só isso ainda vá. Acontece que esses abnegados vivem na corda bamba. Se tudo corre certo ninguém liga. E para correr bem é preciso matar um leão por dia, não só por recursos, mas principalmente na construção do destino e do lugar social dessas crianças e adolescentes. O preconceito é grande, as portas são estreitas e órgãos disponíveis alegam despreparo para lidar com esse tipo de clientela. Algumas crianças ficam nos abrigos até a maioridade; só Deus sabe em que estado emocional.
No entanto, se algo de ruim acontece – e sempre acontece – vêm imprensa, poder público, sociedade, familiares, etc. querendo explicações, mesmo assim quase sempre vistas com reserva e desconfiança, até porque a preocupação de fundo é com a ordem social não com o bem estar dos usuários, que juntamente com funcionários e diretores saem chamuscados desses episódios, quando não encrencados com a Justiça.
Abrigos nunca deveriam ter existido; são insustentáveis; mantê-los ainda hoje é burrice, própria de gestores tapados. Quando, em 2008 se não me engano, fui mandado para trabalhar no CREAS, sugeri “Casas Lares” e “Famílias Acolhedoras”, programas de sucesso em algumas cidades do mundo e do Brasil – hoje em Piracicaba, graças à atual gestão da SEMDES. Porém, fui impedido de levar as idéias avante porque meus superiores não estavam nem aí com o sofrimento de crianças abrigadas. Sugeri redes congregando as várias organizações públicas e privadas dispersas nos territórios dos CRAS a fim de enfrentar os problemas no nascedouro, antes de se institucionalizarem; também fui barrado porque não poderiam controlá-las. Pode ser que Deus peça a essa gente contas por tratarem vidas inocentes com desdém e do modo mais cômodo, porém o pior. Aliás, o próprio Jesus disse que àquele que faz mal a uma criança seria melhor se lhe amarrassem no pescoço uma pedra de moinho e o atirassem ao mar.
O adulto judia, maltrata e abandona; quem paga é a criança. Abrigo tira (adia na verdade) o problema da sociedade e o joga no colo da criança; por melhor que seja não se iguala à pior das famílias. Segundo Pio XII “A família é mais sagrada que o Estado”, cuja obrigação é protegê-la e ajudá-la a superar sua miséria, aliás, por ele mesmo causada. Até hoje ninguém conseguiu substituí-la. Mesmo achincalhada por todos os modos, a família muda de forma, mas singra soberana o mar revolto.
Não raro, técnicos de porcelana, imaturos e mais preocupados com o salário que com o trabalho; juízes que conhecem a miséria por foto e nada sabem das relações que ligam famílias pobres, decidem do alto de seus estrados o destino das crianças, sem se atinar para o desastre que estão causando.
Encerro com Suzana Herculano-Houzel (JP 25.09.12): “Institucionalizar, não! Crianças que começam a vida em orfanato mostram redução na massa cinzenta cortical do cérebro”. Sabem disso os profissionais que trabalham na área?