Bem e Mal
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Não precisamos temer nossos sentimentos. A inveja, por exemplo, pode nos incentivar a também buscar o que de bom outros conquistaram. A raiva pode nos desinstalar, o ódio trazer autoconhecimento e a ambição descobertas. Como demonstram os fatos e registra a História, o ser humano é essencialmente bom. Tanto é que o bem dá a cartada final e pode, numa só passada, curar as mais profundas e necrosadas feridas.
O mal não faz parte de nossa essência, tanto que ficamos tristes e decepcionados quando o praticamos. Só um bem pode nos alegrar de novo, nos reconciliar com nosso interior e reativar nossa autoconfiança. A Bíblia diz que somos como deuses “versados no bem e no mal” (Gn 3,22); totalmente responsáveis, portanto, por nossas escolhas.
Isso é tão fascinante e tão arrebatador que a primeira coisa que fizeram foi criar regras de controle. Fez-nos Deus plenamente livres e donos de nosso destino para que de barro nos transformemos em sua imagem e semelhança. Nisso consiste a felicidade, tanto que é tranquilo e bem humorado aquele que se ocupa do conhecimento e da melhora de si.
Os sistemas nos querem presos e dependentes. Aí está a origem da infelicidade que gera violência, pois não há coisa mais nefasta que negar a própria identidade e entregar nas mãos de outrem a direção da própria vida. O bem existe por si. O mal é imediatista, perde até quando ganha. Ele não se sustenta, a menos que lhe ofereçamos combustível, que é feito de gente sem lastro. “A grande solidão interior: ir a si mesmo e não encontrar, por horas, ninguém ali”. (Rainer Maria Rilke).
Violência indica gente doente. Como disse, a origem de todas as doenças está na dissintonia consigo mesmo, pois desdenhar profundos anseios é trair-se; e ninguém consegue coabitar pacificamente com um traidor. Nosso eu não cobra perfeição; cobra transparência e coerência, mas preferimos ouvir as serpentes que ainda hoje nos prometem a divindade, desde que abramos mão da própria originalidade, já que o sistema só funciona com genéricos. Originais quebram formas e atravancam o processo. “O principal para se viver é saber quem você é de fato e ser verdadeiro sobre isso. Essa é a razão de eu ainda estar vivo. Eu tenho que viver comigo… E me seguiria a qualquer lugar”. Keith Richards – guitarrista dos Stones.
“Seja para ti próprio o primeiro e o último objeto de tua reflexão. Começa por refletires sobre ti mesmo, afim de que, ao te voltares para os outros não te esqueças de ti. Que adianta ganhares o mundo inteiro, e, no entanto perderes a ti próprio?” (Bernardo de Claraval). Muitas são as pessoas que mentem, bajulam, trapaceiam, traficam, subornam e se vendem; difamam, pisam, chantageiam, ameaçam e exploram para ‘subir’ na vida. São maus? Não creio. Apenas em si não acreditaram; se desprezaram; recusaram ser o que vieram ser; foram apressados. É alto o preço e grande a ruína, para si e para outros. Algozes de si próprios na verdade fracassaram. Isso fica claro na esnobação de riquezas, poder e sucesso. No entanto, são medrosos e fracos; rodeados de puxa-sacos – também falidos de si – não passam de fantoches humanos, promotores da discórdia e da violência que um dia os engolirá. Naquele dia seu eu lhe perguntará: “Por que você fez isso conosco?”
“Os que vivem segundo a carne gostam do que é carnal. Os que vivem segundo o espírito apreciam o que é espiritual”. Rm 8,5. O Evangelho diz que o mal vem de dentro da pessoa. Carregamos em nós, portanto, bem e mal. Crescerá aquele que for mais bem alimentado.
“Recusaram ser o que vieram para ser, foram apressados”. Caro Antonio, quanta sabedoria por trás destas palavras! Nosso eu maior é infinitamente superior e mais profundo a todas estas “fantasias” pequenas e razas que infelizmente insistimos em usar mantendo-nos afastados da pelnitude do que poderíamos ver a ser. Mais uma vez, belo artigo colega.
Valeu, amiga!Você foi ao ponto central de tudo. Obrigado pelo comentário