Bendito sonho

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Paraiso_5081Sonho com um paraíso. Beira-mar, uma praia deserta, casinha com varanda, rede, violão e estrelas profundas no céu. Viver de peixe, frutas, roupas leves, chinelo de dedo, brisa e fé. Ter o suficiente, o necessário, o básico dos básicos. Não falte um creme para o corpo, óleo para os cabelos, hidratante para a face, brinco, batom e saúde. Uma saia indiana longuinha para a missa de domingo.

Ando sonhando com isso ultimamente, ouço o chamado de um mar distante que me quer perto dele. Mas, se irei até lá, não sei. Enquanto não vou, devaneio. Sou movida a sonho, já confessei aqui despudoradamente.

Sonho com uma vida cada vez mais simples, mais descomplicada. Será? Pé no chão, junto da natureza. À noite, conciliando o sono, rezando antes de dormir, é fatal fantasiar um pouco.

Estou lá. A praia é deserta, mas nem tanto. Há algumas casas próximas, vizinhos bons, gente educada que dá tchau de longe, alguém até joga um beijo. Há privacidade, respeito e gentileza.

A areia da praia é branca e fina, um ouro que piso em silêncio e devoção. Os pés afundam naquela maciez benfazeja e fundeio meu coração no porto azul da felicidade.

Estou lá, ando pelos lugares vadiando o quanto posso, haurindo cada momento, sob o céu que nos protege. Vaguear o pensamento, a aragem da maresia transpassando o corpo e a alma, em direção ao atlântico sentimento de amor.

Passa um barco pesqueiro, que mais tarde virá trazer o peixe fresco, para fazer com tomate e cebola em rodelas, pimentão de três cores, cheiro-verde, azeitonas, alcaparras. Termina com batatas cobrindo tudo, cortadas grossas e temperadas com um pouco de sal rosa do Himalaia. Está pronta a peixada. Quem gostar pode pôr leite de coco.

Estou lá. O mar escreve na areia um poema de palavras devoradoras, de metáforas abissais. Leio em êxtase os versos oceânicos da vida em prantos.

Chora meu peito errante. Chora minha alma saudosa do que não vivi. Saudade de um passado que não tive, do que não fiz e nunca farei. Faltou tempo? Não. Faltou a ousadia que destaca alguém nesta vida, coragem, valentia, força, determinação.

Belo é o que se conquista com garra e luta, assim como quem trabalha arduamente para pôr na mesa o pão de cada dia. Êxito alcançado com horas abençoadas de estudo, de renúncia aos prazeres, buscando primeiro o dever, a obrigação.

Mas estou lá, na beleza misteriosa das conchas e das pedras. Depois das ocupações do dia, repousar numa cama doce, e dormir ouvindo a música marinha cujo canto não cessa.

Estou lá. Enquanto caminho pela praia, na manhã de todas as manhãs, peixes ovulam debaixo d´água nas profundezas que jamais desbravarei, porque sou térrea, terrena e solar.

Bendito sonho. Como viver sem ele? Embala meu sono todas as noites. Peço ao meu Anjo da Guarda que vele comigo. Confessou-me que também sonha e me acompanhará na extrema aventura, se um dia a lucidez permitir. Meu Anjo promete ser meu par fiel nesta derradeira morada, âncora final.

Estou lá. Moro no sonho. Durmo e acordo nele. Vivo com ele no coração. Quero morrer no sonho e depois seja o que Deus quiser.

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