Bonito

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(“quando vim da minha terra onde as onda se espraia… eu entrei no Mato Grosso dei em terras paraguaia; lá tinha revolução. Enfrentei fortes batáia ai, ai”…)

                                                                       

    Aquela parte do Mato Grosso do Sul, bonita o é há muito tempo. Os indígenas da região, dos quais a população local descende, mereciam aquilo tudo! Mas não há tantas décadas, os belos lagos das grutas, o “buraco das araras”, esplendoroso por sinal, eram sumidouros para os corpos dos “justiçados” nas pendengas e disputas `a bala e à faca, depósitos de carros velhos ou objetos que deviam desaparecer, e também possivelmente sepultura daqueles primitivos indígenas, os verdadeiros filhos da formosa terra.

     Antes foi assim. Com a mudança dos tempos os fazendeiros e agropecuaristas viram que turismo num local tão particular, com águas transparentes e azuis, porque correndo sobre rochas de calcário em meio a denso e alto cerrado, repleto de aves diversas e animais outros, dava dinheiro. Acreditaram tanto nisso que tudo lá é caro e muito formatado, com horários determinados e rígidos para visitações, como os de colégios religiosos. Algo que chega a tirar a sensação de aventura e descoberta às vezes.

   Assim, se você tiver percorrido trinta quilômetros em estrada de terra voltando de algum local, e resolver visitar outro porque está à porta do mesmo, não pode. Precisa ir até uma das agências da cidade e pagar lá (e só lá) sua entrada! Particularmente não considero que tais chatices obsessivas sejam essenciais à preservação dos lugares. Pretexto simpático esse, mas irreal.

    A região tem febre amarela endêmica, e quem lá quiser ir deve-se vacinar com ao menos dez dias de antecedência, lembro.

    A pequena cidade, por sua vez, fez sessenta e quatro anos e se carece de construções mais antigas e interessantes, tampouco é feia. Dela saem estradas, de terra especialmente, em todas as direções, cada uma com muitas opções para contemplação e lazer (mas tudo pago e agendado, como disse) principalmente no tempo quente, o que não era o caso. Na verdade, chegava a ser engraçado e quase ridículo as pessoas das agências de turismo encasacadas, com gorros de lã e tremendo de frio, a tentarem convencer os turistas de que devem mergulhar nas claras águas dos rios e lagoas e que uma roupa especial evita o frio. Balela. Mas balela com bom efeito, e muita gente (nem todo mundo) ia atrás de uma hipotermia…

    O “complexo de nordeste do Brasil” assola mesmo a cidade. Com seis, oito ou doze graus, as lojas insistem nos biquínis coloridos, shorts e camisetas, salpicando as vitrines. Mesmo o hotel mais caro recusa-se a ter uma sala aconchegante, uma lareira, ou um recinto adequado, fechado, para piscina. Há, inclusive, um determinado hotel com concepção temática e de bom gosto cujos apartamentos dão diretamente para corredores semi-abertos, não vedados e cheios de vento gélido na época fria, como um castelo medieval. Uma pousadinha da cidade, e há muitas, será mais adequada.

    Mas Bonito valeu a pena. Além dos animais silvestres, inclusive as tantas coloridas aves, os peixes encantaram-me. Poder observar-lhes os movimentos ondulantes e sincronizados, os cardumes seguindo-nos nas margens dos rios atrás de comida, os brilhos de suas escamas à luz do sol, prende-nos por horas inteiras.

  Como Bonito, ainda há diversos locais no Brasil, mas cada vez em menores quantidades. As macrocirurgias nos rios, o desmatamento desenfreado e cruel, os enormes empreendimentos, tais como as mega-hidrelétricas, farão nichos assim tornarem-se cada vez mais raros e, no futuro, talvez locais só mesmo para inglês ver.

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