CANOAS PARALELAS

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Ontem partiu de nossa casa uma querida brasileira que há dias estava nos visitando. Trata-se da mãe de uma amiga gaúcha que me conhece desde os dois anos de idade; nossas famílias têm passado juntas os verões à praia desde o começo dos anos 70 em um paradisíaco refúgio catarinense outrora perdido no mapa.

O despedir de uma pessoa ligada a tantas (doces) memórias faz a mim volver a poeira do saudosismo típica dos expatriados e reascender a fagulha da pergunta: que solo, de fato, é o nosso solo? A que terra pertencemos?

Os imigrantes de ontem, expatriados de hoje, após residirem longos anos, décadas em um novo país, invariavelmente passam a não saber exatamente qual é seu país. Embora seja frase corrente entre os estrangeiros morando aqui há décadas a expressão “home is always home”, e embora inegável seja o arrepio único que nos percorre a espinha quando pisamos no chão do aeroporto de nosso país, a verdade é que não somos mais 100% os mesmos cidadãos que um dia deixaram aquele aeroporto, aquele porto…

Tenho um querida amiga brasileira que mora aqui há 25 anos, louca pelo Brasil e que o visita duas vezes por ano ficando meses por lá a cada viagem, que se assim questiona:”não sou mais 100% brasileira e também nunca serei 100% americana. O que afinal sou eu?!”

Minha sogra holandesa que há 45 anos vive nos Estados Unidos, diz estar eternamente “dividida” entre as tulipas e os moinhos de vento de sua bela terra e a praticidade e pujança da terra do “tio Sam”.

Meu vizinho francês que há mais ou menos o mesmo tempo mora por aqui contou-me já não mais saber se sente-se mais cidadão da terra quando visita as vinículas de Borgonha ou as de Napa Valley.

Parece-me que a longa ausência do solo natal e os horizontes da nova terra acabam por fazer embaralhar, enevoar nossa identidade…

Se por um lado acostumados que tornamo-nos a uma qualidade de vida com segurança e na qual tudo funciona tornamo-nos naturalmente mais sensíveis e críticos as mazelas de nosso país, por outro a saudade da família, dos amigos do peito, das cores e da alegria de nossa terra natal nunca deixarão de nos falar alto ao peito.

Talvez tornemo-nos este híbrido de “poli cidadãos”, este “mezzo-mezzo” como brinca um amigo italiano querido a respeito do assunto, definindo a nós, estes especialistas em absorver o que de melhor o novo mundo nos oferece (seja em que aspecto for) sem nunca deixarmos de ter o coração batendo descompassado por nossas raízes.

Indubitavelmente temos como que um pé em cada canoa.

Não somos mais nem só branco, nem apenas preto. Tornamo-nos cinza. Alguns, felizardos, vêm mesmo a se tornarem multicoloridos, dependendo à sorte da quantidade de países por onde morem e da bagagem cultural de cada um destes lugares que passem a portar consigo.

Pois, para que os cachos dos caracóis cantados por Caetano em “De baixo dos caracóis de seus cabelos” sejam sempre belos sem se tornarem pesados, a sabedoria, talvez, seja sabermos fazer com que as diferentes canoas sob nossos pés naveguem sempre paralelas.

1 comentário

  1. Veronica em 17/09/2013 às 15:23

    Uma vez ouvi a seguinte frase; Um homem percorre o mundo inteiro em busca daquilo que precisa e volta a casa para encontrá-lo. Obrigada Thais…

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