CARNEGÃO

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Quando criança, furúnculo era o que a gente mais tinha, principalmente na bunda. Depois do banho minha mãe catava um por um de nós. Espremia e a gente esperneava. Pedia pra parar e ela nem aí. Chegava a pensar que desforrava aprontadas que eu dava.  Enquanto não saísse o tal do carnegão não parava. Depois, pomada Minancora e esparadrapo.  Alívio para nós e para ela, pelo menos por um tempo.

Conto isso para dizer que ouço falar de crise em quase todos os meios de comunicação a que tenho acesso. Parece samba de uma nota só. E dizem que vai piorar. Jornalistas que não tiram a bunda da cadeira e nem o ‘zóio’ da internet repetem o que ouvem, especialmente se a informação bate com seu ponto de vista e agrada ao povão. Grosso modo, transformam boatos em fatos, pois como àqueles que criticam, gozam da certeza da impunidade, já que raramente alguém pedirá provas do que dizem ou que ouçam outro lado. Embora nem dos problemas da própria rua estejam inteirados, citam “Estadozunidos”, China como se tais sociedades servissem de exemplo.

Particularmente não curto essa gente e nem quem lhes dá ouvidos. Fazem parte do problema. Aliás, parecem apostar no quanto pior, como se resolvesse alguma coisa. Além do ceticismo em relação a um país grandioso, jovem e promissor que é o Brasil, sua fala demonstra descrença no ser humano, que recebeu de Deus uma extraordinária capacidade de se adaptar e sobreviver às mais terríveis adversidades. Se essa gente tiver que enfrentar reais situações de dureza como muitos povos tiveram, provavelmente não darão no couro, mimados que são.

Gente desse naipe não deveria ter microfone nas mãos ou espaço na mídia. Sua pequenez não a deixa ver que crise é chance de melhoria. Tempo de deixar o velho para acolher o novo que bate às portas. Tempo de fazer sair o carnegão que gangrena o organismo. Tempo de morte e ressurreição. Graças a Deus estamos em crise. Nosso modo materialista de viver, egoísta e predatório não se sustenta mais. É tempo de rever comportamentos, conceitos e preconceitos. Essa gente só está ‘feliz’ com dinheiro na mão. Dê-lhe dinheiro e a crise acaba, pelo menos até a seguinte.

Falando nisso, nada como uma crise para que a sociedade mostre sua verdadeira face; aquela que a fartura esconde. Não pensava que houvesse ainda tantos brasileiros com mentalidade tão racista, homofóbica, violenta, machista e tosca. É preciso que isso tudo venha à tona para ver como somos, pensamos e agimos; e assim melhorarmos. Crise rasga máscaras e mostra nossas vergonhas, essas sim, fomentadoras de crise. Uma sociedade tolerante não caça culpados, ao contrário, assume suas mazelas e procura curá-las. Numa nação adulta todos têm o necessário a uma vida digna, mesmo que seja o mínimo ou ninguém tem nada. Não se tolera privilégios. Porém estamos longe disso.

“Imagem mítica do brasileiro simpático existe só no samba. A sociedade brasileira não é simpática, é uma sociedade que se mata. E há, também, um grupo de classe média que está descontente porque se tira deles alguns recursos para redistribuir. Trata-se de uma classe média profissional, que teme perder seus privilégios e que vive melhor que seus pares nos EUA e na Europa. Quem pode ter dois ou três empregados domésticos permanentes, vivendo em casa ou indo e voltando? Nenhuma classe média do mundo. Há uma imensa riqueza, controlado por 1% da população. Como é que a sociedade não vai estar com raiva? No Brasil, não há Estado de Direito. No Brasil há uma classe política corrupta que utiliza o Estado para seus próprios fins”. (Manuel Castells, sociólogo. Universidade da Califórnia. Folha 18.05.15).

Contudo, acredito que estamos no caminho certo. O mal está tendo pernas cada vez mais curtas. Nunca tantos poderosos caíram de seus tronos. Apesar dos pessimistas, sairemos dessa crise como um país bem melhor e uma nação mais equânime.

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