Carta aberta da família de Almir à Igreja Metodista

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Uma vez mais, para além das crises

 

Ouve, ó Deus, a minha súplica; atende à minha oração. Desde os confins da terra clamo por ti, no abatimento do meu coração. Leva-me para a rocha que é alta demais para mim.
Salmo 61:1-2

Nas últimas semanas, nossa família tem recebido inúmeras mensagens vindas dos quatro cantos da terra neste tempo que choramos e lamentamos a morte prematura de nosso marido e pai, Almir de Souza Maia. Estas mensagens são um testemunho do impacto que a vida de Almir teve em muitas vidas.

Recebemos mensagens de autoridades importantes no metodismo mundial, de instituições metodistas que ele ajudou a fundar e conduzir e de um sem número de autoridades civis. Também recebemos mensagens de pessoas que estão longe das hierarquias de poder das igrejas e entidades civis. Motoristas, ex-alunos e alunas empobrecidos da Unimep, funcionários e funcionárias – gente que caminha às sombras dos pilares do poder mas que ele soube enxergar. Ainda que ocupando cargos de poder e prestígio, testemunhamos que Almir soube prestar atenção às pessoas cujos nomes são tão facilmente omitidos da história. Foi assim na Universidade e na Igreja. Foi assim no seio da família Maia.

Reconhecemos também que Almir foi uma pessoa pública e que, portanto, sua morte toca em alguns pontos contenciosos no atual momento político da Igreja Metodista no Brasil. Muitas manifestações têm chegado a nós com este teor e estamos sensíveis a todas estas questões. Entendemos que a Igreja passa por um momento de mudanças e que a figura de nosso marido e pai significa, para muitos, um tempo passado. Como ele sempre fez nos últimos anos, reconhecemos a necessidade de mudança e da renovação dos quadros de liderança nas instituições metodistas. Tudo isto é muito positivo. Lembramos que não foram poucos convites que chegaram a ele nos últimos anos para que assumisse cargos nestas instituições, algo que ele prontamente recusou por reconhecer a necessidade de renovação. Ainda assim, como família observamos com temor certos rumos tomados pela Igreja Metodista e suas instituições de ensino recentemente. Na ocasião do velório de Almir, no campus Taquaral da Unimep, fomos cumprimentados por mãos que, há poucos meses, negociavam a venda desta Universidade e outras instituições metodistas pelas quais Almir lutou para construir. Evidentemente, isto nos preocupa. Apesar disso, para nós, a memória de nosso marido e pai sendo velado no átrio da biblioteca do campus Taquaral será uma lembrança “sem dinheiro e sem preço” que nos motivará a enxergar o mundo e a missão da Igreja para além das crises. Tal como nossas memórias, cremos que a educação metodista é um destes patrimônios que jamais poderão ser quantificados em cifrões.

Na preparação para o funeral, nossa família tomou uma decisão consciente ao decidir velar seu corpo no campus Taquaral da Unimep, em Piracicaba. Com isso, queríamos dizer sobretudo às autoridades metodistas ali presentes que para nós este é um espaço sagrado, como sempre foi para Almir. Fazer da Universidade um espaço santo é um desafio que ele abraçou com todas suas forças. Santificar o espaço de aprendizado, da construção de conhecimento e da troca de experiências significa entender a fé cristã em sua dimensão pública, num ambiente repleto de tensões, dúvidas e grandes diferenças. Como metodista fiel, cremos que Almir soube fazer isso. Amando a Igreja, reverenciando sua tradição metodista e servindo a Deus com paixão e dedicação, ele soube administrar uma Universidade confessional, mas não proselitista; metodista, mas também ecumênica; uma Universidade devidamente mantida por uma Igreja, mas definitivamente democrática e aberta à sua comunidade interna e externa.

Nosso marido e pai não esteve imune a tais preocupações nos últimos anos de sua vida, particularmente desde seu afastamento da Unimep e do Instituto Educacional Piracicabano em 2006. Comedido e respeitoso, ele sempre preferiu o silêncio ao enfrentamento direto, mesmo quando sabíamos, como esposa e filhos seus, que seu coração de fato se despedaçava. Ainda assim, estamos seguros que Almir não morreu triste, pois sua teimosia pela vida sempre o fez ver para além das crises. Sua alegria e dedicação aos trabalhos na igreja local nos últimos anos exemplificam isso. Mas, sim, cremos que ele morreu preocupado, inseguro e até irritado com uma liderança metodista que põe números à frente de pessoas e crises à frente da esperança de uma educação metodista libertadora, confessional e democrática.

No Culto de Ação de Graças pela vida de Almir, André, o filho mais velho, falou em nosso nome e confessou à comunidade ali presente que nossos corações se angustiam ao acompanhar os rumos da Igreja e das instituições de ensino que nosso marido e pai tanto amou. Esta declaração não foi um desabafo oportunista diante de autoridades eclesiásticas ou um lamento exagerado de uma família enlutada. Nossa preocupação e nosso temor são fruto de nosso zelo evangélico, de nossa herança profundamente metodista e sobretudo do sonho que aprendemos a sonhar com nosso marido e pai. Somos gratos a Deus pela vida e pelo testemunho cristão do professor e irmão Almir e compartilhamos nossa gratidão com tantas pessoas que compartilham de nossa dor. A solidariedade que recebemos nestas últimas semanas mantém viva em nós a esperança na missão educacional metodista e o compromisso evangélico de uma Igreja a serviço do povo, com o povo.

 

Em esperança,

Susana, André, Samuel, Filipe e Tiago Maia

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