Cidadã do Mundo

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* Thaís Ouzounian, moradora de São Francisco, Callifórnia, passa a colaborar com A Província.

 

Quando muito pequena, ainda na casa de meus oito ou nove anos, deliciava-me ser levada aos domingos por meus pais assistir no Centro de Convivência do Cambuí ou na Concha Acústica do Taquaral, ambos em Campinas, à Orquestra Sinfônica da cidade regida à época pelo maestro Benito Juarez.

De tão assíduos que éramos e por talvez encantar-se com a reiterada presença daquela criança, o maestro por vezes ao me ver sempre ali (metida) no gargarejo, de longe, do palco, fazia uma mesura “só para mim” apontando-me o lugar onde sentar-me como numa saudação e num convite.

Pelo menos era assim que eu interpretava a educação dele através da lente sonhadora de meus olhos de menina.

Hoje, mais de 30 anos mais tarde, vejo-me fazendo a mesma coisa com meus dois meninos com a aparente diferença que o cenário agora é uma pequena e arborizada cidade californiana localizada perto do Vale do Silício, próxima a eterna São Francisco.

Moramos nesta cidade de pouco mais de 34 mil habitantes onde, durante o verão e boa parte do outono, a prefeitura disponibiliza a seus residentes o privilégio de termos musica ao parque nos fins de semana, peças de teatro ao ar livre para as crianças, filmes projetados em telões nas praças, feiras de antiguidades e exposições de pintura às ruas e grupos de leitura na biblioteca pública local.

A arte é celebrada em muitas das esquinas deste município.

E dentro deste contexto, neste último sábado ao final do dia eu e meu marido levamos nossos meninos ao parque assistir a um show de blues. Cadeiras e mantos à grama, cestas de piquenique espalhadas ao chão, adultos socializando, crianças correndo ao redor, balões ao ar e lá estávamos nós participando do evento e ouvindo aquela musica que tudo permeava.

Belo e prazeiroso fim de tarde com a família ao parque embalado por acordes de saxofone, bateria, trompete e violino!

Enquanto eu estava ali sentada junto a grama ouvindo Menphis Blues e vendo meus meninos correrem em frente a meus olhos, ocorreu-me o pensamento que a experiência da beleza a música é verdadeiramente atemporal e sem fronteiras.

Eu, filha de pais de origem italiana e libanesa que começara a ser exposta a este mundo mágico enquanto criança em solo brasileiro, passadas quase três décadas, estava ali fazendo o mesmo com meus filhos, crianças de pais de origem brasileira e norte americana (com avós holandeses e armênios!), em solo a milhares de milhas distantes de onde eu começara.

Conversando com minha mãe a respeito deste assunto, contou-me ela saber que na casa de seus avós localizada em uma cidadezinha chamada Treviso, ao norte da Itália, a musica era uma constante tão assídua quanto a diária e saborosa pasta, sendo que seu pai, meu avô, aos dez anos já fazia parte da banda municipal com seu precioso clarinete! Minha sogra holandesa, por seu lado, sendo uma das pessoas mais melódicas que já conheci, era filha de pais que religiosamente cantavam aos domingos no coro da igreja local a qual frequentavam em Amsterdã.

Sobre a ala masculina da família não pude colher informações a respeito, mas a julgar pela alegria com que meu pai ainda ouve seus clássicos e corais, é muito provável que o alaúde fora companheiro presente na formação de sua origem libanesa.

Unindo os pontos, pois, o que eu e meu marido estávamos ao parque (e rotineiramente em casa) proporcionando a meus meninos é algo que vem se transmitindo de geração em geração por famílias espalhadas pelo mundo.

Musica clássica, sacra, blues, samba, música italiana, árabe ou fado, não importa.

O que importa é sua intrínseca universalidade. Sua intrínseca intemporalidade.

A música é com uma cidadã do mundo. Todos os solos são seu solo.

E a experiência de vivenciarmos sua beleza nos une, nos revela que verdadeiramente não há fronteiras entre nós. Não há mesmo tempo a nos distanciar.

Sob seu manto, entrelaçados em seus acordes, somos um. Ontem, hoje e, certamente, amanhã.

Califórnia, 8 de julho de 2013.

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