COMO ENCAREI A BRUXA

Os textos de diferentes autores publicados nesta seção não traduzem, necessariamente, a opinião do site. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

Fui assistir ao filme “A Bruxa”, direção Robert Eggers. Mais uma vez me vem à mente Umberto Ecco, o qual nos lembra de que uma obra pode ter tantas leituras, ou interpretações, quantas forem cabíveis. Conquanto tenha eu lido diversas críticas chamando atenção para diferentes aspectos do trabalho, quando o vi, tive minha própria interpretação do mesmo. Pra já, a película impressiona, tanto pela história quanto pelo excelente desempenho dos atores, especialmente das crianças que, às vezes em certas cenas, deixam-nos estáticos, de queixos caídos. Filme de baixo orçamento e de muito boa qualidade dentro do gênero, ótimo mesmo de se assistir.
Lembrou-me a certa altura, embora seja diferente em vários aspectos, de O Iluminado e de Os Inocentes, porque todos esses mostram o que a solidão e o afastamento podem fazer com algumas pessoas, seres gregários que somos, sociais, facilmente propensos a enlouquecer no isolamento, a deixar surgir nossa animalidade total.
É verdade que no filme do qual falamos, aparecem bruxas; o espectador as vê, na tela. Mas a presença delas pode ser interpretada de modo concreto, real (pero que las hay, las hay!) ou simbólico. Afinal, aquela pequena família de religiosidade fanática, enorme rigidez moral e costumes repressores, morando sozinha à beira de uma sombria, desconhecida e enigmática floresta, não poderia manter a sanidade, talvez. Ou não poderia manter suas noções castradoras a respeito do mal, do pecado, de um único deus quem sabe…
E como o menino pré-adolescente deixaria de notar o desenvolvimento do corpo da irmã (a quem amava), na puberdade? A mãe, mesmo extremamente religiosa, não deixava de sentir ciúmes e inveja da filha adolescente, moça boa, laboriosa e bonita como ela, mãe, provavelmente jamais o fora. Isso se pode compreender também, esse sentimento mesquinho, embora também gostasse da moça. Igualmente havia a natureza selvagem ao redor, áspera e agreste, o clima adverso para o plantio em muitas épocas do ano, a pouca fertilidade do solo, a inépcia do pai de família, amoroso e rigoroso militante contra “o pecado”, para lidar com esses fatores climáticos e ambientais. Um homem civilizado afinal, pois era um inglês saído de seu país. Pouca habilidade tinha ele para ser o cuidador daquele pequeno núcleo, pois não sabia caçar de modo eficiente, nem o que plantar em cada momento do ano, nem conhecia qualquer técnica de estocar alimento. Só sabia cortar lenha (um ato, de certo modo, de destruição da floresta). Tudo isso a moça, Tomasin, em determinado momento, atira-lhe em face.
Daí a insanidade mental e a morte serem convidadas para se instalarem na cabana. Mas alguns podem sobreviver às mesmas quiçá… Desde que deixem de lado seu mundo anterior, seus valores, suas crenças, seu passado, sua antiga pele! Desde que se tornem outras pessoas.
Mas voltando à natureza, sua profunda complexidade e força já foram tão soberbas que, vendo na obra toda a amplitude e austeridade da mesma, não nos parece possível que um dia o ser humano tenha se multiplicado tanto e causado grande destruição. Para alguns, isso é motivo de regozijo e alegria; cantam loas à habilidade e poder do homem. Para outros, motivo de tristeza, pois soa como equívoco e engano. Tiros no pé; ou melhor, nos dois pés e também nas mãos.

Deixe uma resposta