Crescendo com a vida…

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unnamed (10)Conforme prometido, aqui vai mais um relato (um pequeno trecho do meu livro “Viver dói”) sobre as dores de quem cresce. Crescendo com a vida, eu diria.

“De menina, virei moça. E a dor jamais me deixou. A dor no lado direito do quadril. O que é isso? Que nome clínico ela teria? Às vezes, eu ficava sentada um tempo no sol do quintal e a dor passava. Meu pai dizia que devia ser uma “friagem”. Saía do sol e a dor voltava. Passei a lavar o cabelo e a secar no sol, o que me deixava com lindas mechas louras. Dor, dor no quadril direito, dor.

Menstruação. Dor. Cólicas de rolar de dor. Uma de minhas irmãs também sofria destas cólicas terríveis. Minha mãe tinha um saquinho de pano, com a boca amarrada por um cadarço. Ela esquentava fubá, colocava dentro desta sacolinha e minha irmã a punha sobre o ventre para aliviar as dores. Tomávamos “Anador” em gotas, mas este remédio baixava minha pressão, acredito.

O tal analgésico me deixava mole, com gosto ruim na boca, sentindo um mal-estar geral pelo corpo. Mas a dor passava. Em muitas destas cólicas menstruais, cheguei a odiar o “incômodo” mensal. Naquele tempo, as mulheres diziam “estou incomodada”. Não se falava “menstruada”. E era verdadeiramente um incômodo infernal.

Havia uma conhecida nossa que, ao menstruar, não saía mais de casa, não lavava a cabeça, ficava de sapato fechado e meias soquetes, mal conseguia se levantar da cama de tanta dor. Era quase uma semana nesta situação. Eu a olhava com pena. Ela era amiga de uma de minhas irmãs, e sempre desejei partilhar com ela que eu também sofria estas dores mensais.

Graças a Deus, éramos dispensadas da ginástica no colégio, se estivéssemos com cólicas. Eu nem aparecia na aula. Mas teve um dia, um dia fatal, em que fui à aula de física, numa linda manhã de sol. Estava na quarta série ginasial e tinha 15 anos de idade. De repente, no meio de uns exercícios, uma fisgada de perder o ar me fez parar e gritar de dor. Dor na altura do rim esquerdo. A professora veio me ver e me dispensou, perguntando como eu iria embora naquele estado. Ela dizia que eu estava pálida demais. Eu morava a algumas quadras do colégio e fui caminhando a pé, apertando o lado esquerdo da cintura, desesperada, me segurando nas paredes das casas, trançando as pernas de dor, dor, dor. Minha casa nunca me pareceu tão longe!

Fiquei internada na Santa Casa, tomando soro. A dita pedrinha foi retirada por sonda. Minha primeira internação hospitalar, a primeira de uma série; a primeira anestesia geral, a primeira de outra série respeitável. Quem cuidou de mim foi o inesquecível dr. Odair Bortolazzo.

A janela do quarto hospitalar dava para uma das principais avenidas da cidade e ficava vendo o movimento dos carros subindo e descendo. Era a minha distração. Mas me recuperei e tive alta mais cedo do que esperava.

O fato bom desta internação foi uma inesperada visita de um rapaz que havia se interessado por mim e queria me namorar. Mas, aos 15 anos, e vigiadíssima pela família, achei melhor sermos só amigos. Ninguém de casa gostava muito daquele carioca.  Acho que só eu mesmo. Então, a ida dele ao hospital, numa tarde, despertou a súbita simpatia de todos. Até minha mãe achou que ele “parecia legal”. Mas eu tive alta e ele voltou para o Rio. Adeus.”

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