Desaprender

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A noção que carregamos de Deus é aquela que no decorrer da vida nos foi dada ou imposta por nossos pais, professores, religiosos ou temos uma própria, fruto de nossa busca e experiência pessoal? Dependendo donde viemos, o Deus que carregamos na mente é uma caricatura.

Quando criança, mesmo sem intenção, minha mãe, apesar de sua grande fé, foi a primeira a queimar a imagem de Deus quando a cada aprontada minha dizia: “Deus vai castigar você!”. Percebi até agora que o que sofri foram consequências de minhas escolhas. Aliás, tenho observado também, que quem castiga mesmo é o ser humano.

Torcemos para que quem nos causou mal pague. No lugar de esclarecer atritos, preferimos choramingar a terceiros ou guardar como cartas nas mangas. Perdoar para a maioria é um sacrifício. Se alguém comete um crime então está frito, principalmente se for pobre. Além de passar o diabo na cadeia, perde família, amigos, coisas; e mesmo cumprida a pena, ficará marcado. Estuprador ou pedófilo nas mãos da multidão o linchamento é certo. A massa não distingue do crime o ser humano que o cometeu, menos ainda crê em recuperação. Deus age assim?

Lembro-me de uma reunião na periferia onde se falava que Deus marca tudo o que fazemos. “Marca onde?”, perguntei. “No Livro da Vida.” disseram. “Então Deus é um vigia? É de papel esse Livro?”, questionei. Disseram não saber e perguntaram se eu estava caçoando de Deus. “De Deus não”, respondi, “mas do conceito que vocês têm dele, porque não resiste a questionamentos”. Perguntei-lhes então se tinham coragem de passar tais bobagens aos filhos estragando assim a figura do único ser que nos ama de verdade.

“O primeiro problema para todos, homens e mulheres, não é aprender, mas desaprender”. (Glória Steinem 1934 – jornalista estadunidense). Vejo muita gente falando e até berrando em nome de Deus. Alguns se dizem escolhidos e enviados por Ele. Porém, tem como ser amigo de Deus e ao mesmo tempo bem quisto por uma sociedade que inventou opulência e miséria; mansões e favelas; ódio racial e armas; religiões que gostam do dinheiro e que matam? Como pode um temente a Deus se sentir confortável e ter consciência tranquila numa sociedade que nega dignidade à grande maioria dos seus; que espera de Dele soluções milagrosas para as mazelas causadas pelo egoísmo coletivo e pela sem-vergonhice dos políticos; que faz barganha e confunde Seu convite amoroso com regras morais e que acha que amar o próximo é distribuir comida, roupas, leite, etc.? Dizer-se amigo de Deus e nunca ter sido marginalizado ou perseguido numa sociedade que cultua o ter, valoriza aparências, gosta da bajulação e despreza quem pratica a verdade, não bate.

O mais velho na Parábola do Filho Pródigo se escandalizou e condenou a bondade do pai ao festejar a volta do irmão esbanjador. Apesar de tantos anos de convívio não conheceu o pai. Não conheceu porque se sentia seguro em sua crença e preferiu não correr riscos. Contudo, seu conceito sobre o pai era limitado, pois o avaliava segundo seu ponto de vista. O mais novo abandonou a segurança paterna, botou por conta o pé na estrada, torrou tudo, ficou na lona, viu com os próprios olhos o outro lado da vida. Perdeu tudo, até a dignidade, mas descobriu o pai maravilhoso e fabuloso que tinha. Caiu em si. Voltou correndo e não se decepcionou.

Se nossa concepção de Deus não nos aproxima e nem nos torna cada vez mais íntimos e apaixonados por Ele, ela precisa ser revista, já que não há meio termo, como deixa claro o pensamento de Blaise Pascal filósofo e teólogo francês (1623-1662): “Deus: uns temem perdê-lo, outros temem encontrá-lo.”.

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