Desejo

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Existem casais que medem a saúde do relacionamento pelo sexo. Se não há problemas e se saem bem, acham que está tudo normal, e bola pra frente. Porém, se o desejo esfria a luz amarela começa piscar. Como muitos – devido às crenças, conceitos e preconceitos que carregam – têm dificuldades em abordar o assunto, uma das partes se não acabar puxando para si a causa, logicamente a atribuirá ao parceiro ou parceira.

Quem assume a culpa e não desce a fundo para encontrar explicações, muitas vezes procura soluções imediatistas como boa forma, silicone, afrodisíacos, Viagras, filmes de sacanagem, motéis e de toda a parafernália que o mercado dispõe para quem prefere colocar remendos na vida. Se não, espera-se que o outro lado se toque com as indiretas jogadas ao ar ou adivinhe o que está se passando.

Em ambos os casos caminham no escuro aguardando que fatos externos provoquem alguma reversão. Viajam, trocam de carro, arrumam a casa, dão festas e até provocam ciúmes para ver se melhora a libido. No começo até funciona, porém a rotina é implacável. Nas vezes em que pinta sexo – já que ele também é instinto e entra pelos olhos – sentem-se quitando débitos e dando um gás na relação.

Ora, todo mundo sabe que uma boa performance sexual nem sempre indica um relacionamento saudável. Sexo é celebração e celebração é gesto. Os que se amam o fazem para celebrar o memorial do seu amor e o que curtem um pelo outro; e até se sentem ternamente gratos pelo prazer que um ao outro proporciona. Se não há o que celebrar por que fazer? Sexo sem motivo além de deprimir porque desdenha a alma, não cria amor, nem admiração, e muito menos sustenta relacionamentos.

Existem casais que mantém uma espécie de agenda sexual e até se submetem a esses rituais sem sentido onde – grosso modo – se dão sexualmente para cumprir papéis, compensar desgastes ou satisfazer necessidades (?) fisiológicas.

Quando a libido esfria não adianta esquentá-la na marra. O desejo não obedece a convenções; só se sente bem vindo num ambiente de respeito, honestidade e transparência, mesmo dentre problemas e fraquezas. Portanto, como sentir tesão se admiração mútua já foi pro saco? Como sentir desejo quando a novela toma lugar da mesa e da conversa; quando o silêncio predomina ou só se fala de trabalho, de viagens, de colegas, de futuro, da casa, dos filhos, da sogra e se faz de tudo para desvirtuar o tempo destinado à comunhão das almas?

Como sentir tesão se o respeito por si próprio dá lugar à vulgaridade; se o descaso pelas coisas do espírito e pelo cuidado de si está refletido num rosto sulcado por preocupações inúteis; se para manter interesses, conveniências e ganhar aceitação recantos secretos da alma são escancarados?

Como sentir desejo se não há intimidade? E o que é intimidade senão cuidado, afeto, surpresa, aprendizado e camaradagem; conivência, comida gostosa, bom vinho; ouvir e respeitar segredos do outro; acolher sem deixar de ser verdadeiro; oferecer a própria alma para o outro entrar e sair em busca de si e sentir-se à vontade para liberar fantasmas, rever conceitos e desvendar os emaranhados profundos da mente humana.

O amor amadurecido sobrevive à doença, à pobreza, aos erros e até mesmo à escassez de sexo, principalmente quando se sabe que amor não é sentimento, mas convicção de quem se sente livre para escolher todos os dias, pois só quer o outro para repartir o que em sua alma transborda.

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