ESPERTOS

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interrogação copyUm amigo, pai de três adolescentes, disse-me que temia estar criando seus filhos para sofrerem. Ensinou-os a conquistar a vida com esforço próprio, serem honestos, verdadeiros, éticos, solidários, respeitadores dos mais velhos e das instituições; a serem modestos e comedidos, valores que certamente os colocarão em conflito com a mentalidade vigente. Porém, apesar de apreensivo não voltaria atrás, pois esses embates forjarão o caráter de cada um deles.

E ele não tem razão? Como fica a cabeça de um jovem ao deparar com uma sociedade que bota nome de esperteza no que é safadeza? Estariam seus pais enganados ou seriam ingênuos?

Como explicar a atitude de quem abre um posto e vende gasolina adulterada se o cliente é a razão de seu negócio? Esse cara é esperto ou é uma ratazana de esgoto? E o caso da Boate Kiss – cuja chamuscada porta vermelha lembra a entrada do inferno – que acolheu centenas de jovens sorridentes, cheios de vida e esperanças e devolveu cadáveres? Como explicar que foram vítimas da irresponsabilidade que grassa o Brasil de Norte a Sul? Por outro lado fica difícil entender jovens com nível universitário se portando como boiada levada ao matadouro. Ninguém – nem seus pais – atentou que estavam entrando numa arapuca?

Como entender um governo – refiro-me aos três níveis – que abaixa o preço da energia elétrica e aumenta o do combustível; distribui Bolsa Família e deixa subir o preço da comida e do aluguel; tira IPI dos carros e não de instrumentos que capacitam a mente e dos gêneros de primeira necessidade; mantém uma polícia que mata mais que a bandidagem; nada faz pelo transporte coletivo e onera a tarifa de forma ilegal; favorece os lobos do mercado imobiliário, que acumulam casas enquanto pessoas vivem em pocilgas; doa terras para empresas estrangeiras e pouco faz pelas pequenas apesar de gerarem mais emprego e renda?

A mentira está colada à maioria dos políticos. Quando falam ao povo que é pau pode crer que é pedra; ou quando tentam esconder a violência – como o governador do nosso Estado. Minimizam a pobreza, as epidemias, os desastres, o despreparo e a irresponsabilidade do poder público que oferece serviços qualidade ruim. O descrédito é tanto que muitos cidadãos adentram ás unidades de serviço público intimidando servidores a fim de garantir atendimento.

Essa mentalidade nefasta contamina todo mundo a tal ponto que ser justo causa constrangimento, pedir desculpas e fazer o bem vira fraqueza. Um quer furar o olho do outro. Mentem prestadores de serviço, donos de escolas e de planos de saúde; redes de televisão, rádio e telefonia; reportagens de jornais e revistas; bancos e até vendedores que batem à porta ou invadem nossa privacidade pelo telefone. Empresas escrevem inverdades nas embalagens, enganam na qualidade e na quantidade. Comerciantes trapaceiam o quanto der, advogados tiram até dos pobres que os procuram na busca da aposentadoria; e mesmo as igrejas cristãs acharam um jeito de servir a Deus e ao dinheiro. Precisamos ficar em contínuo estado de alerta, ou acabamos entrando no jogo, pois a melhor defesa é o ataque.

Contudo, meu amigo tem razão em botar seus filhos contra a corrente. Afinal há uma multidão de pessoas que não abre mão do bem, da solidariedade e da justiça. São elas que fazem o mundo ir pra frente. Tanto que nas catástrofes e nos momentos de grande sofrimento é a solidariedade que conta e salva, não a esperteza.

Parabéns, meu amigo! Você colocou seus filhos entre os já mais que vencedores.

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