Estômago
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Juntassem todos os que estavam presentes à celebração não daria meia igreja. Depois de lá precisei ir ao supermercado comprar feijão preto, que ficara fora da lista dos ingredientes da feijoada. Estava lotado. Claro que a fila demorou. Supermercado no domingo só em caso de extrema necessidade. É um dia muito especial para enricar tubarões e desperdiçar em filas, apesar de encontrar um amigo aqui outro ali. Aliás, acho que ninguém deveria ir. Domingo é dia de descanso, de almoçar com a família em casa, ver amigos, distrair e professar a fé junto com a comunidade. Quando era mais jovem, aos domingos – exceto serviços essenciais – nada era aberto, desde posto de gasolina a casas de comércio. Vendas também. Alguém morreu por causa disso? Agora virou mania. Sei que isso gera emprego e vira a economia. Mas dizer que as coisas melhoraram por causa disso não é verdade. A cara amarrada dos ‘ching-lings’ que trabalham de segunda a segunda mostra bem. Além do mais, nesse ritmo não há planeta que aguente. Só por esse fato já valeu o cristianismo e o judaísmo, que ensinam a descansar e dar alento ao planeta pelo menos um dia por semana.
Saindo da igreja metade vazia e passando pelo supermercado inteiro cheio, entendi que o deus da sociedade atual chama-se estômago. Parece que nunca se comeu tanto. No Mercado Municipal, por exemplo, quais as bancas que ajuntam mais gente? As de comida. Nas feiras, no shopping, nos varejões, rodoviárias é a mesma coisa. Até posto de gasolina e farmácia vendem coisas de comer. Os supermercados estão cheios de oferendas ao deus estômago. Exceto tendências patológicas, tem gente que precisa amarrá-lo ao meio para dominar a compulsão. Quando criança raramente se via obesos. Hoje, metade da população passou do peso. Magras acabam sendo pessoas vitimas de políticas espúrias e das guerras; exploradas ou injustiçadas. Ou as que conseguem disciplinar instintos, afinal na hora de servir ao estômago dizem que não se deve passar vontade. Na religião do estômago é cada um por si; quem tem dinheiro come picanha, quem não tem come ovo.
Contudo, agora acho que vou dizer o que quero dizer desde o começo. Quem presidiu a celebração onde eu estava foi uma ministra. Até aí tudo bem. Existem diáconos e leigos até mais eficientes que padres. Além do mais, eles não são donos da Igreja e cada batizado deve ter espaço e incentivo para colocar seus dons a serviço. O problema é que ela falou sem parar. Mesmo repetindo o que já sei, disse muita coisa boa, porém cansou. Não deu trégua nem a quem queria um pouco de silencio para rezar.
Não seria esse um dos motivos para que aos domingos supermercados estejam mais cheios que igrejas? Venho notando que nossas assembléias não atraem gente nova. São os de sempre. Parecemos ovelhas em aprisco. Até o layout das igrejas foi pensado para enquadrar. Onde se viu ainda manter bancos? Pessoas livres, pessoas irmãs usam cadeiras para conversar. Bancos têm a ver com platéia, torcida, auditório; não se olha no rosto, não se fica de frente; abraça-se de lado.
A palavra é monopólio do celebrante. Ninguém está autorizado a falar o que sente, afinal somos ‘leigos’ e assim somos tratados. Vai daí que somos obrigados a ouvir homilias despregadas da vida, verdades repetidas desde criança e que nada mudam. Seja dia das mães, dos pais, dos namorados, do Trabalho, das eleições, só o ministro fala. Entende de tudo ele, só por ele o Espírito fala.
Sonho com o dia em que rezaremos menos e refletiremos mais; em que pelo Espírito impelidos, participantes das assembléias partilhem as maravilhas que o Senhor realiza na vida de cada um durante a semana; também fraquezas e tropeços.
Certamente os de fora entenderão que “Não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus”. (Mt 4,4).