Eu e meus trilhões

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Foto: Reprodução Google

Recentemente li artigo do amado mestre e amigo Aristides Arthur Soffiati Neto, a respeito de seus próprios recursos e apoios para sobreviver mental e espiritualmente nesta sociedade hostil, no mundo caótico de natureza violentada e destruída que é o nosso. Ao ler esse consagrado intelectual comecei a pensar no tema, e venho agora contar os meus meios pessoais de sobrevivência frente a tantos desastres. Posso bem imaginar que psicólogos considerem narcísico o que narrarei, egocentrada a abordagem? mas tenho cá explicações contrárias a tais teses, razões que nem adiantarei ainda nessa altura da crônica. De qualquer forma vou narrar o que se passa comigo. Mea culpa e my salvation.

Gosto muito do Caetano Veloso e uma das músicas que mais curto é TERRA: “Quando eu me encontrava preso, na cela de uma cadeia, foi que eu vi pela primeira vez as tais fotografias, em que apareces inteira, porém lá não estavas nua e sim coberta de nuvens. Terra! Terra!”

O compositor, preso durante a ditadura militar do país, viu a comovente foto do nosso planeta tirada durante o voo da Apolo 11, tripulado pelos astronautas Neil Armstrong e Buzz Aldrin em julho de 1969, ou talvez por outros, em voo anterior… Armstrong, encantado, teria exclamado antes de fazer a foto, tal como Yuri Gagarin o fizera antes:

-A Terra é Azul!

Caetano sensibilizou-se bastante com a fotografia de nossa Mãe, claro, pois que poeta não o faria? Mas a Terra está sendo tão barbaramente agredida… E atualmente até dizem um catatau de bobagens, que vocês bem conhecem, sobre sua forma, bobagens que não repito porque estragaria a conversa. Para não dispersar do tema, foco na emoção dos tripulantes da Apolo 11 ou de outras, do Caetano, na minha própria ao ver/rever a primeira imagem (e colorida!) do planeta, e faço analogia com o que, há questão de pouco tempo, assisti num filme feito por microscópio eletrônico. Vi uma proteína móvel que se equilibrava caminhando com seus dois simpáticos pezinhos sobre outro filamento proteico, arrastando “imensa” molécula de endorfina, mediador químico que dá a sensação de bem estar e diminui dores, para dentro do córtex cerebral. Molécula essa esférica e muito maior do que o bichinho proteico. Nem digo como aquilo me tocou! pois a proteína se movia cheia de graça, como um operário ou formiga laboriosa, pequena, valente. Inseto equilibrista; verdade, a proteína apenas se parecia com um, não estava viva em si embora ativa, mas todo o corpo labuta com valentia, extrema sofisticação coordenada e beleza absoluta para continuar a existir, não apenas para que o ser inteiro continue a viver, mas porque cada célula é um mundo em si mesma, trabalhando para sua própria sobrevivência e do tecido do qual faz parte. Cada uma delas têm suas organelas, dinamismo e funcionamentos próprios, sua vida, função e sua senescência.

Ribossomos fabricam proteínas, mitocôndrias são centrais energéticas; membranas, vacúolos possuem elas e até núcleo, que é o cérebro dessa unidade vital. A foto me remeteu a toda dinâmica de órgãos e sistemas animais, mas principalmente fez perder-me nesse microcosmo tão maravilhoso, que é influenciado por várias coisas boas e más. Se há tanta gente, gente demais que aparentemente não merece seus trilhões, desejo merecer os meus. E cuidar deles, porque de repente os vejo como unidades autônomas com consciências próprias, com demandas e necessidades, como seres vivos que são. Gostaria de propiciar-lhes mais e melhores coisas. Lamento não conseguir dar-lhes ar puro, água limpa, comida sem venenos, silêncios, música dos pássaros e da natureza. Desculpem-me, pequenas companheiras! Faço o que posso. Não pude salvar as matas, animais, ecossistemas, espécies, nem árvores próximas a mim muitas vezes. Não pude acalmar os bichos quando sentem medo e mitigar suas dores. Isso me leva à imensa tristeza, ou levaria, mas minha responsabilidade para com vocês me impede de desesperar. Angústia não faz bem para meus trilhões de árduos e incessantes trabalhadores. Também lamento que tenham de morrer afinal; muitas células antes de mim, e milhares algum tempo depois. Enfim, lamento por tudo, mas me regozijo e me alegro por saber de sua existência, por tê-las assim constituindo meu ser. Sei também que fazem por nós o melhor que conseguem, considerando todas as circunstâncias. Sua companhia, seus esforços são grandes confortos que, sem dúvida, afastam de mim qualquer ideia de abandono, de desistência ou solidão seja como for, e a vocês, agradeço.

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