Eventos adversos

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Interessante a entrevista feita pela Folha de São Paulo com Enis Donizetti Silva, 55 anos, médico pela Faculdade de Medicina de Valença e coordenador do serviço de anestesia do Hospital Sírio-Libanês. Tentei aqui fazer um resumo. Ele questiona excesso de exames e aponta que mesmo hospitais de elite sofrem com erros médicos.

O entrevistado começa dizendo que se você ficar internado uma semana em um hospital brasileiro é grande a chance de acontecer algo errado com sua medicação – eventos adversos. São quase 40% em relação a outros países. Poucos hospitais brasileiros fazem checklists: é este o paciente mesmo? É esta a perna certa? Médico quer chegar, examinar, fazer diagnóstico, estabelecer tratamento, dar ordem a enfermeira. Ainda há médicos que não lavam as mãos. Na faculdade não há aulas sobre importância da lavagem. Mais de 90% dos casos de infecções de corrente sanguínea e infecção associada a cateter estão associadas a isso.

Os médicos são às vezes um entrave a mudanças importantes. É importante que os dados do paciente sejam anotados em um sistema eletrônico. Assim não se injeta dipirona no paciente alérgico porque se esqueceu, porque não estava na ficha, porque a letra do outros era incompreensível. Acham que é burocracia.

Despejar dinheiro em hospitais com procedimentos falhos não resolve. Erro médico acontece no processo não por falta de infraestrutura. A mortalidade hospitalar do SUS na modalidade cirúrgica é de 3,72%. Em outros países é de 0,5%. Sem falar no altíssimo tempo de internação. Recuperam você de uma pneumonia, mas você acaba ficando 27 dias no hospital por causa de eventos adversos.  Um paciente ocupa o lugar de cinco. Sem falar no risco de lá pelo décimo dia alguém errar seu remédio.

Hospitais abaixo de cem leitos começaram a ser questionados e fechados nos EUA. Um estudo mostrou que a taxa de mortalidade em cirurgia cardíaca feita num hospital que fazia o procedimento 30 vezes por anos era de 27%. Em um hospital que operava 10 mil doentes por ano, 6%. Quando há um volume grande, estabelece-se como linha de produção. Criam-se procedimentos, estabelecem-se padrões. A maioria dos hospitais no Brasil tem 50 leitos. O médico vai fazer um determinado tipo de cirurgia só uma ou duas vezes por ano. A incidência de complicações é altíssima.

Hospitais de elite também sofrem com erros médicos. No nosso modelo, o paciente procura o médico, e o médico leva o paciente para o hospital. Então, o hospital precisa cativar o médico. Imagina chamar o médico e dar bronca porque não lavou as mãos. Vai que ele fica chateado e não vais mais querer internar ali. Especialmente se o médico põe 200 pacientes por mês no hospital.

Outra crítica a hospitais de elite é que seriam pequenas indústrias de exames. O excesso de exames trás prejuízos. Exames não são perfeitos. Check-up bom é um bom exame clínico. Pegar uma lista de 40 exames e botar X em tudo pode ter certeza que seis ou sete virão com alterações. Virou uma indústria. O médico também quer bastante exame, até cirurgias, porque vai ter uma participação. (Folha de São Paulo 09.10.15).

Essa matéria fez lembrar meu pai, que morreu serenamente em casa aos 97 anos. Deve ter usado hospital duas ou três vezes na vida. Só uma vez ficou mais de um dia devido a uma infecção alimentar. Comia ovo diariamente, gostava de carne gorda, tomava café adoidado, detestava verduras e fumou até os 60 anos. Por que raramente ficava doente se pessoas do seu tempo morriam mais cedo? Talvez por ter valorizado coisas essenciais. Era pessoa de caráter. Consciência limpa. Medo não tinha. Dono de si, jamais se vendeu ou se submeteu ao que quer que fosse. Falava o que pensava. Bajulação nem de longe. Fez da fé seu alicerce e apesar de pobre e modesta, bendizia a vida que levava.

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