Fazer o que é preciso

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Todo mundo sabe que amar não se resume a um sentimento. O sentimento pode ser o start. Porém, o jogo requer razão para continuar sendo jogado. Passar do sentimento para a razão demanda tempo de aprendizado; o que supõe persistência mesmo entre lágrimas e vontade de sair do campo.

Amar é uma opção, que não se toma de uma vez por todas. Tem que ser construída dia a dia, pedra por pedra. E mesmo quando achamos que a obra atingiu boa altura pode vir abaixo. Se isso acontecer é sinal que o alicerce não estava bem fundado ou o material usado era ruim. Contudo, antes de abandonar a obra e começar outra, seria prudente ver se não vale a pena investir na mesma, afinal, como dizem, “nosso melhor professor é sempre nosso último erro”. Neste sentido, reconstruir sem observar as causas da queda implica em repetir equívocos e desperdiçar oportunidade de rever crenças sem fundamento.

Segundo o físico dinamarquês Niels Bohr (1885-1962): “A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás, mas deve ser vivida olhando-se para frente”. Ao adentrar a vida da outra ou do outro e desejar que faça parte da nossa, precisamos tomar consciência de que somos o que fizeram de nós. Quem cresceu num ambiente hostil e negativo, por exemplo, precisa estar ciente disso ou aberto a descobrir, pois os conceitos que carrega podem estar tomados de toxidade. O mesmo acontece com gente mimada. O caminho para dentro de si é extremamente doloroso diz Leonardo Boff. E segundo Gandhi “Não só precisamos entender-nos uns aos outros como precisamos dos outros para entender a nós mesmos”. Por isso, um relacionamento honesto e transparente é como uma porta aberta por onde se entra e se sai em busca da própria essência e maturidade. Não há cobranças porque o desejo maior não é de posse, mas de liberdade, pois quanto mais livre alguém, mais dono de si, mais compromissado e mais admirável se torna.  “O amor não causa sofrimento. O que o provoca é o senso de propriedade, o oposto do amor”. (Antoine de Saint-Exupéry).

Todos os dias precisamos optar entre amar ou rejeitar a pessoa que caminha ao nosso lado.  Sentimentos ajudam, mas não seguram; nem filhos, familiares, carreira, religião, inserção social ou bens, porque nada disso faz crescer ou diminuir o amor. Decidir amar alguém é um ato soberano. Não importa se é gordo ou magro, alto ou baixo. Quando a gente ama uma pessoa é sua companhia que nos atrai e a admiração que por ela sentimos. Admiração vem da observação, do conhecimento e da intimidade. Intimidade tem pouco a ver com sexo. Muitos casais têm desempenho perfeito na cama, mas não são íntimos. Intimidade é ser o que se é diante do outro sem sentir-se invadido. É ser transparente sem perder privacidade ou ter que violar jardins secretos. Intimidade está no olhar, no toque, na voz, no riso, na partilha, no silêncio, no choro acolhido e na recusa em dormir com problemas mal resolvidos.  Como é bom ouvir: “Essa carinha triste não esconde nada. Não quer me contar o que aconteceu?”.

Quando se decide amar alguém acabam obrigações, regras, papéis, tarefas e compromissos. Do alto de suas respeitáveis cãs dizia um sábio amigo meu que “amar é fazer o que é preciso”. Se existe uma pilha de pratos pra lavar, uma casa inteira para limpar, filhos para cuidar não importa de quem é a obrigação. Se existem tarefas a serem feitas, quem ama por mais cansado que esteja não consegue ficar vendo televisão enquanto a pessoa amada rala sozinha. Fazem juntos, justamente para sobrar mais tempo para curtirem a presença um do outro, já que a vida é fugaz, e segundo o psicólogo Roberto Crema “Ninguém transforma ninguém e ninguém se transforma sozinho… Nós nos transformamos no encontro!”. Só sábios descobrem essas coisas.

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