Flor de ipê

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Quando viram lugar tão sossegado e verde como aquele sentiram vontade de construir uma casinha onde pudessem descansar a cabeça vez em quando e recobrar alento para a alma. Queriam plantar árvores, especialmente ipês brancos. Juntaram grana, compraram um terreno e ergueram uma edícula com varanda. O que sobrou de terreno encheram de árvores. Na frente, dois ipês brancos e várias primaveras. Durante as férias é para lá que iam. Também não desperdiçavam feriados prolongados. Retornavam renovados.

O tempo correu e passada a euforia inicial como sempre acontece, as idas para o pequeno paraíso tornaram-se mais espaçadas. As árvores cresceram; os ipês também. Contudo, nunca conseguiram vê-los floridos; chegavam antes ou depois. Quando os da cidade onde viviam floriam sabiam que os seus também. Mas, por motivos diversos lá não estavam.

Organizaram melhor a vida. Quando os ipês da cidade deram sinal, num dia azulado de agosto partiram. Lá chegando viram os seus já pelados e o chão coalhado de flores brancas sem vida. Desapontados fitavam o espaço, quando seu vizinho único aproximando-se hes falou:

– “Foi maravilhoso! Pareciam árvores de algodão alvejado. Transfiguraram-se como que se preparando para receber alguém. Foi um espetáculo, mas durou pouco. Pena que vocês não estavam aqui.”

Com a chegada do Dia das Mães essa história me veio à memória. Não faz tempo, noticiários alardeavam o fato de pai ter ‘esquecido’ filho pequeno dentro do carro durante o dia todo enquanto trabalhava. Era para levá-lo à creche já cedo. Para seu desespero, a criança morreu. Semelhantes casos não são raros.

Muitos perguntam como pode um pai ou uma mãe ser capaz de tamanha sandice. Alguns apontam o dedo acusando-os de irresponsáveis e desalmados. A polícia abre inquérito, como se o fato em si já não fosse excessivamente punitivo para os infelizes pais que carregarão as marcas dessa tragédia pelo resto de suas vidas.

No entanto, o que poucos enxergam é a rotina cruel a que a maioria das pessoas está submetida. Quem toca o relógio da vida é o sistema econômico. A escravidão negra foi abolida, porém, surgiu outra mais perversa, especialmente para a mulher que deseja ter realizada sua vocação mais profunda que é a maternidade. Muitas, para se ajustarem aos padrões vigentes de independência financeira e realização profissional, adiam o quanto podem esse sonho. A maioria acaba não tendo uma coisa e nem outra. Algumas até ajuntam alguma grana, que gastarão com sobrinhos gaiteiros. As que tentam fazer tudo ao mesmo tempo não conseguem qualidade porque a quantidade não deixa.

Esse sistema que endeusa a mulher-mãe é o mesmo que a oprime com salários menores que os dos homens. É o mesmo que a submete à jornadas estafantes; exige que atinja metas exorbitantes de produção e vendas e as expõe a muitos tipos de pressão e assédio. Ao mesmo tempo em que eleva a mãe, ridiculariza a que espera em casa os filhos crescerem para adentrar no mundo do trabalho. Tanto que acaba virando dependente financeira do marido, embora sendo a que mais trabalhe. Por outro lado, a maioria das empresas quer nem saber de seus problemas. Mulheres vão trabalhar com a consciência em cacos por deixarem em casa ou com terceiros, crianças doentes. Existe empresa que as dispense numa situação dessas ou ao menos ofereça espaço adequado para o filho fique por perto e em condições seguras?

Antes, apesar de mais pobres a vida era melhor porque família era centro; hoje é o dinheiro. A família serve ao sistema.  Crianças e adolescentes florescem a sós. Cada um no seu trabalho, os pais preparam o futuro, já morto no presente.

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