Formas

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Penso que cada humano é uma obra original; vem com a assinatura de seu criador, como numa obra de arte. Portando, traz n’alma a origem de tudo em seu estado puro, ou melhor, como deve SER para realizar-se. E cada pessoa que vem é única, e traz de Deus o recado para que voltemos às origens, gravadas em nosso DNA espiritual.

Porém, à sua espera existe uma parafernália programada para desmontá-la e remontá-la na forma padrão. Sem querer generalizar, o desmonte começa já no útero. De acordo com a mentalidade dos pais que o chamaram à vida, e segundo o ambiente em que ocorreu a gestação, pode vir ao mundo já adulterada.

Contudo, mesmo tendo tido uma gestação tranquila, dependendo – como disse – das condições da família, suas crenças, conceitos e pré-conceitos seu sucesso como ser único será garantido ou não. Sabemos que raramente famílias respeitam e incentivam a originalidade dos rebentos. Mesmo porque criança quando vê contradição entre o que se fala e o que se vive não deixa pra lá. Pense nos constrangimentos que causam. É tal de “cale a boca!” pra cá; “me respeite que sou sua mãe” prá lá; até que se deite na forma que a espera. Se for filho único dificilmente terá como se defender das neuras dos adultos. Com mais irmãos o impacto poderá ser menor. Se ficar com os pais pelo menos até os dois, três anos – falo de pais normais – melhor ainda. Acho errado deixarem filhos de zero ano em creches. Há alternativas mais sensatas. Privações começam na primeira infância e têm consequências na vida toda.

“Estudo internacional aponta que tempo dedicado às crianças hoje é maior que há 50 anos. Uma outra pesquisa indica que a qualidade é mais importante que a quantidade de horas dedicadas aos pequenos. “É o tipo de pesquisa que reforça a velha desculpa de pais que não encontram tempo para estar com os filhos. A sociedade acha que a produtividade é tão mais importante que as crianças não precisam da presença dos pais. Mas, do nascimento até os dois anos, o afeto e o vínculo com os pais são essenciais para o desenvolvimento. Essas crianças precisam de qualidade e quantidade”.” (José Martins Filho, presidente da Academia Brasileira de Pediatria. Folha 19.03.17).  Como criar vínculos quando se é simplesmente cuidado, mas não amado?  Vínculos não se formam disputando afeto.

Voltando ao início do papo, se nosso herói humano conseguir escapar desses enroscos todos, da escola dificilmente escapará. Entre ensino infantil e o segundo grau são perto de 15 anos de manipulação. O tipo de cidadão e cidadã que quer se formar muitas vezes é decidido em convenções internacionais, segundo exigência do mercado e da ideologia do bloco. Por isso, apesar de exceções que precisam virar regra, escolas que aí estão não atraem crianças cuja originalidade foi respeitada, e nem as vindas da pobreza, já que para elas a vida tem outro tom. “Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. (…) Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo. (…) [Escolas] existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. [O vôo] só pode ser encorajado”. (Rubem Alves).

Tem quem pensa que é, mas na realidade é o que fizeram dele: um servidor do sistema. É infeliz por isso, mas culpa a si ou os outros. O crescente mercado de drogas lícitas e ilícitas, tristeza, isolamento, medo, intolerância, inveja, competição, injustiça, descarte, violência, culto ao chulo apontam que pegamos o caminho errado. Para muitos uma doença grave ou acontecimento inesperado podem ser o tranco que precisavam quebrar formas e voltar à própria essência, único jeito de ser feliz, resgatar o próprio valor e ter paz no coração. Só espero que dê tempo.

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