Fragmentos de um sábado
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Fico assim, sem saber por onde começo. Que dia é hoje? E ouço a música do tempo. Acordo do sono dos séculos. Sou alguém atípica. E rezo para que o tempo sacie minha sede de fé.
Pode crer. Onde está a margarida e o “paz e amor”? Ficaram lá atrás, quando o sonho existia e havia aula na faculdade, no sábado à tarde. O coração não sabia direito o que era o amor, mas, ah, como a gente amava!
Banho tomado, cabelo lavado. O perfume do creme está na pele e a pele é o sábado. Sábado tem a textura corpórea do que existe. Metafisicamente. O que vestir no sábado? Não sei. O que pensar? Não sei. Quero esquecer que é sábado. E que, num sábado, eu te beijei.
O sábado é, talvez, uma conjunção de fatores que alguém determinou, antes que burlassem a regra da semana. Pronto: e foi criado o sábado. Então, existe esta expectativa etérea que só o sábado traz. Ó sábado, ó sábado, vem curar meu coração.
Na medida exata de um parágrafo, o comedimento da vida. Basta! Tudo já foi escrito. Pare com isso. Não paro. E na vertigem da teimosia hemorrágica, sou uma ninfa verborrágica. Ainda assim, canta coração. E corre manso como alguns rios, para não acordar os navios.
No exercício da poética, um pouco de apologética. Apenas o essencial. O substrato do que importa. Para que o poema atravesse a porta. Assim, raso, manso e profundo. Absolutamente discreto. Para não acordar o mundo.
Uma vez escrevi: “E se prestasse o que escrevo?”. Não sei se presta, se meu canto passa da soleira da porta e chega até a rua, ou se morre de inanição, cometendo o pecado da mediocridade. Ainda assim, canta, coração. Mesmo sem canções, para não acordar os leões.
Um poema suspira pelos cantos. Não sei onde está. Tento tocar na matéria em movimento e há algo misterioso na solidez desta hora. Exausta de tanta saudade, não sei onde fica o berçário das rimas. Deixo para procurar amanhã.
Na noite vasta, minha alma está acesa. Uma chama inextinguível arde ao léu. As palavras são puro fogo. E incendeiam metáforas. A noite apenas acalma em mim o que não pode morrer jamais.
Sofro de azuis. Das opalinas que desabam sobre um céu marinho. Sofro das orlas e dos continentes, das cordilheiras e das planícies. Sofro de tons e marulhares. Sofro de ausências e do que permanece. Sofro da monumentalidade do universo e sua música. Sobre o piano, um dó eterno.
Reconfortam-me os azuis intensos do dia. Algo penetra minha alma como faca amolada que nos corta o peito, nos despedaça por dentro e, depois, nos junta, nos reconstrói, feito pontes desfeitas que voltam a se abraçar.
Se eu não enxergar o que vem em minha direção, que o Senhor veja por mim. E me conceda o livramento necessário. Ele me livra da flecha que voa durante o dia. Ele me salva de todos os terrores.
Nem mais, nem menos. Apenas o necessário, o essencial. A vida é feita desta essencialidade, deste sentimento inconsútil. Uma quase poesia da integridade. Dose diária de fé e esperança. Deus abençoe esta nossa terça-feira. E la nave va…